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quinta-feira, outubro 14, 2010

Há uma Borboleta na Lua

O abraço foi emotivo. Antes de desaparecer na luz do lusco-fusco, o mais novo dos homens sussurrou:
- Pai, amanhã irá comigo.
Levantou-se cedo. No recanto predilecto do bosque, onde vivera tantos anos, abriu uma cova e deitou-se nela à espera da morte. Por entre as ramagens dançavam, fugazes, as primeiras centelhas de sol. Centenas de borboletas, de cores inimagináveis, esvoaçavam por cima dele. Brincalhonas, paravam, por breves instantes, de asas abertas, nos filamentos do sol. O momento era entendido pelo homem idoso como uma derradeira homenagem. Piscava, então, os olhos húmidos em sinal de agradecimento. Fora por causa da morte do seu único filho, durante a guerra, que se separara da realidade externa do consenso, onde vive a humanidade. Aquela bala fatal, vinda das trincheiras onde se encontravam outros homens que também partilhavam sonhos, valores e sentimentos da mesma realidade consensual, tinha sido para ele mais um sinal.
Desde então caminhou, solitariamente, pelo planeta, indiferente às estações do ano, ignorando fronteiras, não se importando em saber o nome dos países por onde passava. Caminhava apenas pela Mãe Terra. Foi esta Mãe que, numa curva do mundo, lhe murmurou a existência de uma realidade interna. Compreendeu então que tudo o que existe no universo estava dentro de si. As regras, para ele, mudaram radicalmente.
Quando entrou no interior da mancha que vira ao longe, verificou que era um pequeno bosque. Como era lindo. Certamente que era um dos bosques encantados mencionados pela sua mãe, quando lhe contava doces histórias de fadas e duendes na sua cama de menino. A intuição, muito suavemente, informou-o que a viagem terminava ali.
Não teve dúvidas que aquele local era mesmo encantado, ao dar-se conta da profusão de cores que riscavam o ar, levadas nas asas das borboletas. Sentia a vibração de uma harmoniosa sinfonia silenciosa. Depressa se pôs a conversar com elas. Gostavam de ouvir, penduradas nas ramagens das árvores ou aninhadas no seu corpo magro, as histórias da sua vida passada mas, redobravam a atenção, quando lhes contava as novas sensações, os novos saberes da nova realidade interna.
O filho aparecia sempre ao entardecer. Era um momento fantástico. Um falava de como era a vida na sua dimensão. O homem idoso escutava atento. Por vezes não se continha e perguntava pela esposa. Na véspera, queixara-se que a vista já não captava as belas cores das suas amigas, que a voz já não chegava às ramadas mais altas e, acrescentou, que também já não conseguia ouvir nem sentir a vibração da sinfonia silenciosa. Foi nessa altura que recebeu, com muita alegria, a notícia que no dia seguinte iria viver nas estrelas, em casa de seu filho.
Como de costume, ele apareceu com os últimos vestígios do sol. O pai, quando o viu, sorriu. A borboleta mais radiosa do bosque acompanhou-os na viagem. Quando passavam pela lua a linda borboleta poisou numa pequena rocha e pediu para ficar. Os outros dois caminhantes continuaram a elevar-se suavemente.
 cortesia de:
Fernando Freitas

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