Estão em causa ideias feitas acerca da evolução dos antropóides e em particular da espécie humana.
Há 55 milhões de anos, o clima na Terra era quente e húmido. No centro
do que é hoje a China, perto do actual rio Yangtze, a vegetação
luxuriante de uma paisagem lacustre albergava primitivos primatas. Com
apenas sete centímetros de altura e 30 gramas de peso, estes
animaizinhos diurnos eram parecidos com os saguis (macacos hoje comuns
no Brasil). Possuíam uma longa cauda, eram exímios em saltar de copa de
árvore em copa de árvore e tinham uma predilecção alimentar pelos
insectos, que trincavam com os seus dentes pequenos e afiados.
Trata-se de uma recém-descoberta espécie fóssil, baptizada Archicebus achilles (explicação do nome mais à frente), e é, segundo afirma hoje na revista Nature
uma equipa internacional de cientistas, o mais antigo antepassado
conhecido dos antropóides - macacos, grandes símios e humanos actuais. E
também o mais antigo primata conhecido, incluindo os primatas, para
além dos antropóides, os társios (cujos representantes actuais vivem na
Ásia), os lémures e os galagos (que vivem em África). "É a primeira vez
que temos uma visão razoavelmente completa de um primata que, na árvore
da evolução, se situa mais ou menos na divergência dos társios e dos
antropóides", diz em comunicado Xijun Ni, paleontólogo da Academia
Chinesa de Ciências de Pequim e co-autor da descoberta. "Isso representa
um grande avanço no esforço de mapear as primeiras fases da evolução
dos primatas e dos humanos."
O fóssil foi encontrado há vários anos por um agricultor, numa pedreira
perto da cidade de Jingzhou, província de Ubei, China, acabando por ser
doado à instituição onde trabalha Ni. Como estava encapsulado numa
pedra, só ficou à vista quando esta foi partida ao meio, revelando duas
"metades", muito frágeis e delicadas, de ossos e de impressões "em
negativo" de ossos deixadas na matriz rochosa.
Para o estudar sem o danificar, os cientistas recorreram a técnicas de
imagiologia. A partir de 2008, começaram a produzir imagens "às fatias",
de altíssima resolução, das duas "metades" do fóssil graças ao feixe de
raios X mais potente do mundo, sito no Sincrotrão Europeu (ESRF), perto
de Grenoble (França). Reunindo as imagens, obtiveram uma visão 3D
extremamente pormenorizada do esqueleto original. "Virtualmente falando,
pusemos o esqueleto de pé", diz o co-autor Paul Tafforeau,
paleontologista do ESRF. Também determinaram a posição do Archicebus achilles
na árvore evolutiva, de forma a relacioná-lo com os outros primatas.
Para isso, compararam, em paralelo, mais de mil caracteres anatómicos de
157 mamíferos.
E o que descobriram foi um animal "diferente de qualquer outro primata
conhecido, vivo ou fóssil", diz o co-autor Chris Beard, do Museu
Carnegie de História Natural de Pittsburgh (EUA). "É um estranho
híbrido, cujos pés parecem os de um pequeno macaco, com os braços, patas
e dentes de um primata muito arcaico, com um crânio primitivo e uns
olhos curiosamente pequenos." É precisamente esta estranha mistura que
os cientistas interpretam como sendo um indício de que o Archicebus achilles
representa um elo entre o ramo dos társios e o dos antropóides. Donde o
nome que deram ao fóssil, cuja primeira parte significa "primeiro
macaco de cauda comprida", enquanto a segunda faz referência ao
calcanhar curiosamente "moderno" da espécie.
"Isto vai forçar-nos a rescrever a história dos antropóides", salienta
Beard. De facto, explica, a descoberta põe em causa noções enraizadas
sobre a evolução dos primatas. Por exemplo, ao sugerir (corroborando
outros dados) que os primeiros primatas apareceram na Ásia - e não em
África, como se pensava; ou ainda, ao ir contra a ideia de que os nossos
antepassados mais longínquos eram grandes animais.
"O Archicebus achilles era um diminuto e delicado primata,
talvez mais pequeno do que qualquer primata actual", disse Beard em
teleconferência de imprensa organizada pela Nature. "Era
provavelmente um animal frenético, ansioso, ágil. E o mundo que habitava
era uma espécie de "planeta dos macacos" antes de haver macacos."
Na foto :
reconstituição 3D do fóssil de Archicebus achilles; à direita, visão artística deste antiquíssimo primata
reconstituição 3D do fóssil de Archicebus achilles; à direita, visão artística deste antiquíssimo primata
fonte: Público 06.06.2013
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