domingo, abril 27, 2014
lamento para a língua portuguesa
não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
bem que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se entre nós os teus cristais,
e entre gentes remotas descobrias
o que não eram notas tropicais
mas coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas no enredar das nossas vias
por desvairados, lúgubres sinais,
mísera sorte, estranha condição,
mas cá e lá do que eras tu te esvais,
por ser combate de armas desiguais.
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
o discurso político, a paixão
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
e toda a gente o diz, mesmo essa que anda
por tal degradação tão mais feliz
que o repete por luxo e não comanda,
com o bafo de hienas dos covis,
mais que uma vela vã nos ventos panda
cheia do podre cheiro a que tresanda.
foste memória, música e matriz
de um áspero combate: apreender
e dominar o mundo e as mais subtis
equações em que é igual a xis
qualquer das dimensões do conhecer,
dizer de amor e morte, e a quem quis
e soube utilizar-te, do viver,
do mais simples viver quotidiano,
de ilusões e silêncios, desengano,
sombras e luz, risadas e prazer
e dor e sofrimento, e de ano a ano,
passarem aves, ceifas, estações,
o trabalho, o sossego, o tempo insano
do sobressalto a vir a todo o pano,
e bonanças também e tais razões
que no mundo costumam suceder
e deslumbram na só variedade
de seu modo, lugar e qualidade,
e coisas certas, inexactidões,
venturas, infortúnios, cativeiros,
e paisagens e luas e monções,
e os caminhos da terra a percorrer,
e arados, atrelagens e veleiros,
pedacinhos de conchas, verde jade,
doces luminescências e luzeiros,
que podias dizer e desdizer
no teu corpo de tempo e liberdade.
agora que és refugo e cicatriz
esperança nenhuma hás-de manter:
o teu próprio domínio foi proscrito,
laje de lousa gasta em que algum giz
se esborratou informe em borrões vis.
de assim acontecer, ficou-te o mito
de haver milhões que te uivam triunfantes
na raiva e na oração, no amor, no grito
de desespero, mas foi noutro atrito
que tu partiste até as próprias jantes
nos estradões da história: estava escrito
que iam desconjuntar-te os teus falantes
na terra em que nasceste, eu acredito
que te fizeram avaria grossa.
não rodarás nas rotas como dantes,
quer murmures, escrevas, fales, cantes,
mas apesar de tudo ainda és nossa,
e crescemos em ti. nem imaginas
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, vãs aspirinas,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vidas novas repentinas.
enredada em vilezas, ódios, troça,
no teu próprio país te contaminas
e é dele essa miséria que te roça.
mas com o que te resta me iluminas.
Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
(02/01/1942 - 27/04/2014)
quarta-feira, abril 23, 2014
Mulheres
Há nas mulheres
O sono duma ausência
Como uma faca aberta
Sobre os ombros
À qual a carne adere
Impaciente
Cicatrizando já durante
O sonho
E há também o estar impaciente
Todo o corpo
Sorrir não devagar
Claramente
Lugares inventados sobre
Os olhos
E há ainda em nós
O estar presentes diariamente calmas
E seguras
Mulheres demasiado
serenamente
Nas casas
Nas camas
E nas ruas
Maria Teresa Horta
segunda-feira, abril 21, 2014
sábado, abril 19, 2014
sábado, abril 12, 2014
Papiro que evoca "a mulher de Jesus" não é uma falsificação
O papiro que menciona a mulher de Jesus
Fotografia © DR
As análises científicas de um papiro muito controverso, no qual é
mencionado "a mulher de Jesus", revelaram que este documento é antigo e
as suas origens remontam entre o VI e o IX séculos.
Um estudo divulgado na
quinta-feira nos Estados Unidos refere que este documento, revelado em
2012 por Karen King, professora de história na Universidade de Harvard
Divinity, é quase de certeza um papiro antigo e não uma falsificação
feita recentemente.
Este documento, que sugere que Cristo era
casado, foi recebido com grande ceticismo no Vaticano e pelos
historiadores, que concluíram que provavelmente era uma farsa, citando a
sua origem desconhecida, a forma dos carateres das letras e os erros
gramaticais.
Trata-se de um fragmento de papiro com 3,8x7,6 cm, no
qual estão escritas as frases em língua copta: "Jesus disse-lhes:
'Minha esposa'" e "Ela poderá ser minha discípula".
Estas frases
suscitaram o debate em algumas igrejas sobre o celibato dos sacerdotes e
o facto de as mulheres poderem exercer o sacerdócio ministerial.
Nenhum evangelho menciona que Jesus foi casado ou tinha discípulos mulheres.
Karen
King observa que este documento não prova que Jesus era casado: "Este
texto sublinha apenas que as mulheres, mães e esposas, também poderiam
discípulas de Jesus", um assunto que foi objeto de um debate apaixonado
sobre o início do cristianismo.
As análises científicas concluíram que o papiro, a tinta, a escrita e a estrutura gramatical indicam que este documento é antigo e a sua data sua origem será entre o VI e o IX séculos.
"Todas essas análises e o contexto histórico indicam que este papiro é quase de certeza produto dos antigos cristãos e não uma falsificação recente", revela o estudo publicado na "Harvard Theological Review".
Este documento foi submetido a diferentes técnicas de datação por cientistas na Universidade de Columbia, Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
"Esses investigadores concluíram que a composição química do papiro e sua oxidação correspondem ao papiro antigo, como o Evangelho de São João", refere o estudo.
As análises científicas concluíram que o papiro, a tinta, a escrita e a estrutura gramatical indicam que este documento é antigo e a sua data sua origem será entre o VI e o IX séculos.
"Todas essas análises e o contexto histórico indicam que este papiro é quase de certeza produto dos antigos cristãos e não uma falsificação recente", revela o estudo publicado na "Harvard Theological Review".
Este documento foi submetido a diferentes técnicas de datação por cientistas na Universidade de Columbia, Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
"Esses investigadores concluíram que a composição química do papiro e sua oxidação correspondem ao papiro antigo, como o Evangelho de São João", refere o estudo.
Estas conclusões não têm convencido todos os historiadores.
Para Leo Depuydt, egiptólogo na Brown University, estas análises não provam a autenticidade do documento.
Em declarações a agência France Presse, Leo Depuydt explicou que é fácil conseguir folhas de papiro antigo no mercado.
Além disso, as análises da tinta não provam a data de origem, mas apenas que a composição é semelhante à da velha tinta, adiantou.
Leo Depuydt disse ainda que "os erros gramaticais" e as frases escritas, à exceção da "mulher de Jesus", são idênticas às do Evangelho de Tomé, um antigo texto descoberto em 1945.
"Não pode ser uma coincidência", sublinhou o egiptólogo, que considera "suspeito" que o proprietário deste papiro permaneça anónimo.
fonte: Diário de Notícias, Lisboa, 12 de Abril de 2014
Para Leo Depuydt, egiptólogo na Brown University, estas análises não provam a autenticidade do documento.
Em declarações a agência France Presse, Leo Depuydt explicou que é fácil conseguir folhas de papiro antigo no mercado.
Além disso, as análises da tinta não provam a data de origem, mas apenas que a composição é semelhante à da velha tinta, adiantou.
Leo Depuydt disse ainda que "os erros gramaticais" e as frases escritas, à exceção da "mulher de Jesus", são idênticas às do Evangelho de Tomé, um antigo texto descoberto em 1945.
"Não pode ser uma coincidência", sublinhou o egiptólogo, que considera "suspeito" que o proprietário deste papiro permaneça anónimo.
fonte: Diário de Notícias, Lisboa, 12 de Abril de 2014
terça-feira, abril 08, 2014
A Morte esqueceu-se de mim
Um sapateiro reformado da Índia alega ter nascido em Janeiro de 1835, o que faz de Mahashta Mûrasi não só o ser humano mais velho do mundo, mas também o homem que mais anos viveu na História, de acordo com o Guiness World Records.
As autoridades indianas avançaram que o homem nasceu
numa casa em Bangalore no dia 6 de Janeiro de 1835. A partir de 1903
passou a viver em Varanasi.
Trabalhou nessa cidade até 1957, altura em que se reformou... aos 122 anos.
«Estou vivo há tanto tempo que os meus bisnetos já morreram há anos»,
explicou Mûrasi. «De algum modo, a Morte esqueceu-se de mim. E agora já
não tenho esperança. Ao olhar para as estatísticas, ninguém morre com
mais de 150 anos, muito menos com mais de 170. Neste ponto acho que sou
imortal ou algo assim», considerou, citado pela imprensa internacional.
Segundo o WorldNewsDailyReport.com, todos os documentos de
identificação do homem confirmam a sua versão, mas até ao momento,
nenhum exame médico confirmou a veracidade da sua alegação. O último
profissional de saúde que Mûrasi visitou morreu em 1971, de modo que são
escassas as informações sobre o seu historial médico.
fonte: http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=695344
domingo, abril 06, 2014
uma Maria que não vai com as outras...
“Descartes já o tinha percebido com uma admirável clareza: a liberdade da indiferença é o grau mais baixo da liberdade.”
Gabriel Marcel (1889-1973)
Gabriel Marcel (1889-1973)
Tem família mas a família não a tem.
Há um sentimento de ausência que a veste, a ela, que às vezes alheia
percorre a calçada procurando nesse vai-e-vem fantasmas de acolhimento. É
uma eterna peregrinação diária sem fadigas, indiferente às forças que
não tem, no ímpeto com que caminha enterra os gestos cansados de mais um
dia obrigado à cegarrega do fado.
Vestida de absurdo, quando o vento sopra, deixa ver as pernas
acinzentadas pelo frio que se faz sentir, calçada de pano ou de umas
botas onde os pés se encolhem, leva no casaco arrumado no braço o pão
embrulhado que a alimenta, temperado de ar.
Dizem que às vezes compra um sumo, uma vela, uma caixa de fósforos.
Dizem que recebe uma pensão.
Sabe-se que dorme em casas vazias, servidas de veredas e que é ela que
acorda o dia para a claridade para que a não vejam sair do leito e do
agasalho que não tem. Lava-se nas águas das fontes ou torneiras, a horas
escusas, sem intimidades, surpreendida pelos que ao lusco-fusco fazem
caminhadas pela saúde.
Desconfio que nunca teve infância pelo modo como suporta o rigor do tempo e o pesar da vida.
Dá-me bom dia ou boa tarde fugidios e não consigo ver-lhe os olhos
magoados do sol ou da brisa fria, no rosto que baixa e ausenta, sofrido,
para mim dramático.
Incomoda-me vê-la passar, o passo já mais pesado, a saia – quase sempre a
mesma – mais torcida na cintura cingindo a magreza do corpo. Anos e
anos…Todos a conhecem.
Esta é a Indiferença figurada no traço humano!
No final do ano passado foi feita uma “contagem” de sem-abrigos e o
resultado deu-nos um número, decerto não exacto:4.420, sendo que 852
seriam em Lisboa. E estes desabrigados anónimos por todos os concelhos,
quem os conta?
Não se pode admitir a indiferença, o egoísmo, quando há meios para se
recuperar o que não é um modo de vida normal. Há culpados e, se calhar,
todos temos um pouco de culpa – pelo silêncio!
Não se vive há quarenta anos em democracia, com direitos adquiridos,
enquanto soubermos que há gente que não tem acesso a um mínimo de
dignidade.
Se não há as cantinas “take-away” que o actual ministro da solidariedade
tanto apregoou, que os meios do Estado através dos devidos serviços,
observando in loco a realidade, possam encaminhar, ajudar estas pessoas.
É para isso que os contribuintes descontam.
Para hipocrisia basta que tenhamos um vice-ministro que diga que os
portugueses que perderam o RSI tinham mais de cem mil euros no banco…
E se por acaso este pequeno texto provocar comichão, nada como o tempo da Quaresma para exorcizar línguas!
Estamos no século XXI não na Idade Média.
Maria Teresa Góis
in:Diário Notícias da Madeira, 06-04-2014
http://www.dnoticias.pt/impressa/diario/opiniao/440368-uma-maria-que-nao-vai-com-as-outras%E2%80%A6
terça-feira, abril 01, 2014
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