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quarta-feira, outubro 26, 2011

soneto

Olha o espelho: a minha boca arde.
Trago o corpo à beira de todos os perigos.
Já não ouço os passos, já não tenho amigos.
Meu coração parou mesmo ao cair da tarde.

Faço com as mãos o tamanho do medo.

Pago bilhete. Dão-me um lugar sentado.
Mas quero ir para qualquer lado
embora me digam que ainda seja cedo.

A alma suja deixo-a como está.

Limpo-me apenas por baixo dos sovacos
e não visto afinal nenhum dos casacos

exactamente porque talvez não vá

para nenhuma parte e sem nenhum sentido,
como um cão já farto de andar perdido.

António Aragão

(Do livro 30 Sonetos, in O escritor N.º 4, Associação Portuguesa de Escritores, Dezembro de 1994)

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