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terça-feira, novembro 15, 2011

A troika e o Conde de Lippe

   Duzentos anos depois do  Marquês de Pombal  ter  chamado o Conde de Lippe para reorganizar o Exército português muitos dos  regulamentos por ele elaborados ainda estavam em vigor. Assim , por exemplo, em 1950,  na tropa, as mantas que se punham em cima dos cavalos ainda  eram cuidadosamente  dobradas em conformidade com os seus regulamentos. Estou certo que muitas das normas que a troika nos vai agora obrigar a adoptar, algumas benéficas, vão perdurar durante anos.
    Mas há uma diferença substancial: 
  O Conde de Lippe era um profissional muito experiente e do mais alto  nível que, quando chegou a Portugal, soube ensinar e também aprender.  Assim, quando viu que em Portugal,  que tinha suportado longas guerras com um vizinho mais forte, havia estruturas para mobilizar a população,  nomeadamente, as milícias e as ordenanças, as tropas dos concelhos, não só as conservou como levou a ideia quando regressou ao centro da Europa.
  Os elementos da troika são, certamente, técnicos de elevado nível mas, para além das ideias genéricas que nos trazem,  algumas nem sequer bem testadas no exterior, como é o caso da TSU,  podemos interrogar-nos sobre quais são os conhecimentos e a compreensão que têm da realidade do nosso país.  Eles viram, por exemplo, que em Portugal há freguesias, estruturas que não existem na generalidade dos países da Europa  e propuseram a redução do seu número. Ora, esta redução atinge a qualidade de vida de uma fracção importante da população. Portugal é, com efeito, o país com mais aldeias da Europa. E se 5 km pode não ser  nada para quem anda de automóvel, pode ser  muito para os habitantes de duas aldeias que vejam as suas freguesias fundidas numa só.
  A fusão das freguesias urbanas é um problema muito diferente do das freguesias rurais.  A supressão das juntas de freguesia em muitas aldeias é, de facto, o retirar da cidadania aos seus habitantes.  O processo não deve, portanto, ser decidido a régua e esquadro em gabinetes sem ser precedido de um inquérito às populações e uma muito cuidada avaliação dos benefícios e custos, não só imediatos, mas sobretudo a longo prazo. 
  As aldeias portuguesa, hoje, quase só com idosos, podem, no futuro, com as novas tecnologias, vir a ser locais priviligiados de residência e  trabalho.  Encontrei recentemente uma informática da Nova Zelândia que tinha escolhido para local de trabalho uma aldeia portuguesa.  
  O país da Europa com as estruturas locais mais parecidas com as nossas é, talvez,   a Suiça.  Aconselhar Portugal e fundir freguesias é mais ou menos o mesmo  que dizer  à Suiça que para melhorar o seu sistema financeiro deve alterar as suas estruturas locais.
  Um outro problema que preocupou os elementos da troika foi o da fusão dos concelhos. Mas eles ignoraram uma evolução bastante nítida em Portugal desde há várias décadas. Em todos os distritos, a população dos concelhos onde está a capital tem vindo a aumentar e, na generalidade dos outros, salvo na vizinhança de Lisboa e Porto tem vindo a diminuir.  Para aumentar a população dos concelhos com a população mais elevada não é necessário, portanto, fazer nada.  E agregar os que têm a população a diminuir pode criar situações muito dificeis e conflituosas e,  na maior parte dos casos, só pode contribuir para  diminui ainda mais a sua população .
  Em matéria  de ordenamento do território, a troika tinha um outro assunto com que se preocupar e em que nos podia trazer informações de fora: o da Regionalização, que está na nossa Constituição e hoje é uma realidade  em quase toda a Europa. Para criar riqueza, é em  regiões, e não propriamente em  concelhos com a população um pouco maior, que é preciso pensar.
  E, no que diz respeito à  riqueza, o que será importante para os nossos filhos e netos  é o domínio que terão  sobre as empresas existentes em Portugal. Por outras palavras, a troika deve compreender que, embora o país tenha neste momento um gravíssimo problema financeiro (em que nos está a ajudar) a prazo, o problema fundamental para nós, é o de não entregarmos com privatizações feitas num momento difícil o domínio da Economia do país a entidades estranhas e longínquas, interessadas na rentabilidade dos seus negócios, mas não na qualidade de vida dos nossos filhos e netos.
  Por último, ao olhar  Portugal como um país periférico, a troika está a ter  uma muito estreita visão da Europa.  É  bom   que os seu elementos  se inteirem do que foi dito nos três encontros promovidos na Sociedade de Geografia de Lisboa., em Fevereiro e Março deste ano, sobre o tema: “China, Panamá, Sines. A rota da seda do século XXI ?” Neles tratou-se, fundamentalmente, não das ligações  da China a Portugal, mas das ligações da China à Europa.
  Acontece que o porto de Sines é a melhor porto da Europa para os navios vindos da China e as àreas vizinhas são zonas priviligiadas para implantar indústrias dimensionadas para exportar para metade do mundo,  em particular para a China .    
 
António Brotas
             Professor catedrático jubilado do IST e membro da SGL

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