”Se desconfiarmos que alguém mente, finjamos crença: ele há-de tornar-se ousado, mentirá com mais vigor, sendo desmascarado. Por outro lado, ao notarmos a revelação parcial de uma verdade que queria ocultar, finjamos não acreditar, pois assim, provocado pela contradição, fará avançar toda a retaguarda da verdade."
Arthur Schopenhauer
Arthur Schopenhauer
in :Aforismos para a Sabedoria de Vida'
Ontem, por ser testemunha de um dos muitos casos que há anos se arrastam pelos tribunais, fui ao tribunal de S. Vicente, já pela 3ª vez neste caso.
Um grande amigo meu, pessoa de mais idade, que perdeu a mulher em circunstância inesperada como a de a ir buscar ao hospital para a trazer para casa e dizerem-lhe que ela havia falecido numa queda na casa de banho, homem canceroso, pessoa justa, humana, crente e temente a Deus, decidiu fazer um legado à empregada que com eles trabalhou 25 anos, e que nos seus últimos 5 anos de viuvez e doença o tratou, acompanhou a Lisboa aos muitos tratamentos oncológicos e às operações a que teve de se submeter, que o lavava, mudava o saco substituto do ânus, providenciava ao governo da casa, mantinha o acolhimento necessário aos amigos e visitantes do patrão, etc.
Após o diagnóstico do 1º cancro de intestino, foi operado ao fígado, por 2 vezes.
A nossa Amizade começou no relacionamento profissional, na confiança e na familiaridade com que privávamos. Quando foi necessário dizer-lhe que não chegaria, nesse ano, ao dia de Natal, (já fez 4 anos e faleceu a 20 de dezº), outro grande Amigo comum me veio pedir que lho comunicasse.Não tive coragem, como também a não teve outro nosso Amigo, também já falecido.
Após saber que o seu tempo expirara, vencendo vários cancros em seis longos anos, com qualidade de vida, muito carinho e muita dedicação e cuidado à sua volta, decidiu o sr. Candinho fazer legado do que sempre, ele e a mulher, tinham destinado para quem ficasse a tratá-los na velhice. Para isso chamou a ajudante do registo notarial e os funcionários do banco e, na sua presença e na posse das suas faculdades, assinou.Consistia no saldo de uma conta num dos bancos de que era cliente.
A mãe era ainda viva, mais velha que o Matusalém, mulher pequena, vivaça, desconfiada e manhosa .Nunca gostou de ninguém, nem da santa da nora e só quando viu o filho preso à cama, o lamentou.
Mas não é intenção minha contar toda esta história e quero voltar ao 1º paragrafo.
15 dias antes de falecer, lá veio uma prima da África do Sul, "para ajudar", que nunca foi chamada pelo doente e que ele até nem a queria ver no quarto...Na véspera de falecer, veio o primo, irmão da prima...
Bom, isto para dizer que os primos, que herdaram tudo o que este meu abastado Amigo tinha, em bancos, em casas, em terrenos, tudo, à excepção do legado, decidiram ir para tribunal com o argumento de que a "velhinha não tinha de comer" pois a pensão da SSocial era pequena.
Entretanto, após uns meses, a Ti Maria vai pró céu. Iria?
E o processo continuou, claro.
Isto hoje não está a sair muito bem! Cansaço, cansaço da mesquinhez alheia!
Uma das testemunhas contrárias, mulher de sacristia, com 80 anos bem medidos, com o índice de coscuvilhice que toda a freguesia lhe conhece, nos píncaros, enquanto aguardávamos e conversávamos nos bancos, em espera, larga-me uma bujarda e diz-me:"Quando a tia Maria morreu não havia dinheiro para a enterrar". Fiquei parva, claro, sabendo eu dos milhares poupados, quer numa vida de emigração, quer numa vida de labor que, mesmo sem necessidade, nunca deixou, não por ganância, mas porque tinha terras, gostava de as ver produzir, gostava de ter vacas e carneiros era, enfim, um agricultor nato e ABASTADO.
Ao ver os olhos piscos, ramelados, por detrás de umas lentes fundo de garrafa, e de ver a convicção daquela verdade mentirosa, lá mesmo, e após lhe ter perguntado se por acaso se lembrava onde era que eu trabalhava (num Banco, para os que não o sabem), veio-me à ideia o porquê da nossa justiça andar podre e mal cheirosa, que os Avelinos Ferreira Torres sejam absolvidos, os Isaltinos, os Casa Pia, para só lembrar os mais mediáticos e actuais.
O PORQUÊ DA VERDADE MENTIROSA !
Não tenho o poder de encaixe de Shopenhauer mas, também não admira, vivo noutro século, não tenho a sua maturidade e o seu conceito de tolerância contra a estupidez humana!
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