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sexta-feira, fevereiro 27, 2009

A linguagem e o mito


"Usa a linguagem que quiseres; nunca poderás dizer senão o que és"
Emerson
Em Linguagem e Mito, Ernst Cassirer escreve que os mitos são “um milagre do espírito”. Eles são um meio de comunicação que se desenvolveu simultaneamente com a linguagem comum de nossos antepassados. Um dos traços distintivos dessa linguagem é que ela não se refere a uma realidade objectiva. Ela se refere a uma realidade interna, abstrata, conceitual ou emocional (invisível), pois o que ela tenta descrever é aquilo que não pode ser conhecido ou nomeado de maneira comum: a experiência mística de Deus, ou Deuses. Ela é uma linguagem de símbolos, de metáforas, uma linguagem de correspondências, não de referências.
Joseph Campbell, um estudioso renomado no campo da mitologia e religião comparada, explica que os mitos têm quatro funções básicas: a função metafísica ou mística, a cosmológica, a sociológica e a pedagógica. A função metafísica deve despertar-nos para o mistério e o assombro da criação, para abrir nossas mentes e sentidos para uma conscientização do místico fundamento da existência, a fonte de todos os fenômenos. A função cosmológica deve descrever a ‘forma’ do cosmos, o universo, nosso mundo inteiro, para que o cosmos e tudo o que ele contém dentro dele seja vívido e vivo para nós, pleno de significado e significância; cada canto, cada rocha, monte, pedra e flor tenham seu lugar e significado no esquema cosmológico que o mito supre. A função sociológica deve estabelecer a lei e os códigos de ética e moral para que o povo daquela cultura os sigam, e que ajude a definir aquela cultura e sua estrutura social determinante. A função pedagógica deve nos ajudar a passar através dos rituais de passagem que definem os vários estágios significativos de nossas vidas - da dependência na infância à maturidade e à velhice e, finalmente, à morte, a passagem final. Os ritos de passagem nos fazem entrar em harmonia com o fundamento de nossa existência e nos permitir fazer a jornada de um estágio a outro com conforto e objectivo.
A experiência mística, o âmago da jornada espiritual que visiona Deus ou os Deuses, tem sido sempre uma experiência difícil de comunicar. Alguns diriam que é impossível contá-la. Outros diriam que esta é a função primária do mito: encontrar uma maneira de comunicar uma experiência mística vivida. Já que essas coisas não podem ser contadas por meios diretos, os mitos falam numa linguagem de metáforas, de símbolos e narrativas simbólicas que não estão presas pela realidade objectiva. Alguns acreditam que a experiência mística foi o que fez nascer a linguagem metafórica ou pensamento metafórico.
No nosso mundo ocidental pós-iluminista, temos nos voltado para a ciência para nos contar qual é a ‘forma’ do nosso mundo e do universo. Originalmente, entretanto, os mitos tinham esta função, explicando a história cultural, a religião, a estrutura de classes, a origem, e até mesmo a origem de acidentes geográficos de paisagens locais. Os mitos descrevem a forma do mundo e infundem cada parte dele com significado e significância. E embora um relato mítico seja considerado literalmente falso para nós hoje em dia, outrora ele foi considerado verdadeiro e ainda expressa uma metáfora verdadeira. Todos os mitos são verdadeiros neste sentido, segundo Joseph Campbell.
Campbell explica que a função sociológica do mito é apoiar e validar uma ordem social particular. O mito vai deixar claro quem está no poder, qual código ético é apropriado e como serão os rituais institucionais. O problema é que esses códigos são fixos, assim como a ordem natural, para todo o sempre; eles não estão sujeitos a mudanças. Se os tempos mudam, como eles têm mudado nos últimos milênios, não há um recomeço. Nossos mitos, segundo Campbell, estão seriamente datados. Tempos de mudança requerem novos mitos, e como nosso tempo está mudando muito rapidamente, nossa função mito-criativa não o está alcançando. Como resultado disso, estamos praticamente sem mitos. Campbell acreditava que nos tempos modernos precisamos de um mito que lide com o advento das “máquinas”. As máquinas, como elementos míticos, englobam nossas ferramentas, nossa tecnologia, e até mesmo o nosso “aparelho estatal” (o governo). E eles têm tamanha importância em nossas vidas que se faz necessária uma história para dar conta de seu “destino”. As máquinas vão nos esmagar ou nos salvar ? A tecnologia é nossa salvadora ou nosso algoz ? Qual é o lugar da máquina na ordem social ? Nós seremos seus mestres ou seremos escravizados por elas ?
Essa é a área em que Campbell sentia que precisamos expandir. Esse é o aspecto do mito que ensina como atravessar e viver nos diferentes estágios de nossas vidas. Nossos mitos (nossas religiões) nos dão rituais para viver, ritos de passagem para realizar. Aprendemos como ver o mundo e nós mesmos, do nascimento à morte. Por tudo isso, Campbell acreditava que os mitos podem nos ensinar lições importantes sobre como viver bem.

in: "monomito" net

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