[google6450332ca0b2b225.html

quinta-feira, janeiro 20, 2011

evocação - Rainer Maria Rilke


"Estou aqui sentado a ler um poeta. Há muitas pessoas na sala, mas não se dá por elas. Estão nos livros. De vez em quando mexem-se nas folhas, como gente a dormir que se volta entre dois sonhos. Ah! como é bom estar no meio de gente a ler! Porque é que os homens não são sempre assim? Podes ir a um deles e tocar-lhe de leve: não sente nada. E se ao levantar-te deres um leve encontrão num vizinho e pedires desculpa, então ele acena a cabeça para o lado donde ouviu a tua voz, o seu rosto volta-se para ti e não te vê, e o seu cabelo é como um cabelo de um homem adormecido.. Que bem que isto faz! E eu estou aqui sentado e tenho um poeta. Que destino! Há agora talvez trezentas pessoas na sala, a ler; mas é impossível que cada um tenha um poeta. (Sabe Deus o que elas têm!) Não há trezentos poetas. Mas vê lá que destino: eu, talvez o mais mísero destes leitores, um estrangeiro: eu tenho um poeta. Apesar de eu ser pobre. Apesar de o meu fato, que trago todos os dias, começar a estar coçado aqui e além, apesar de se poder dizer isto e aquilo contra os meus sapatos. ..."
Rainer Maria Rilke 

in:Os cadernos de Malte Laurids Brigge

Nota da Redacção -
Rainer Maria Rilke, poeta, escritor, crítico, nasceu no dia 4 de Dezembro de 1875, em Praga (que então fazia parte do Império Austro-Húngaro), e morreu no dia 29 de Dezembro de 1926, em Raron (Valais), Suíça, onde está sepultado. Morreu de leucemia. O epitáfio, da sua autoria, diz em alemão: “Rosa, ó contradição pura, prazer de ser o sono de ninguém debaixo de tantas pálpebras”.
Nome maior da literatura de língua alemã, Rilke escreveu, entre outras obras, “As elegias de Duíno”, “O Livro das Horas” (que muito influenciou Etty Hilessum), as “Cartas a um Jovem Poeta” e as “Histórias do Bom Deus e outros textos” (contos).
Rilke foi educado como católico, mas durante a adolescência revoltou-se contra a fé católica, escrevendo poemas anticristãos. Mais tarde, pelos menos na sua escrita, nas “Histórias do Bom Deus”, reconcilia-se com a fé cristã, mostrando a interdependência entre ser humano e Deus, a fraternidade, a humildade, a compaixão pelos pobres e explorados.

1 comentário:

  1. Se me permite, evoco aqui o Padre António Vieira: «O livro visto por fora não mostra nada; por dentro está cheio de mistérios... E ainda, «O livro, sendo o mesmo para todos, uns percebem dele muito, outros pouco, outros nada» (Sermões 99).

    ResponderEliminar