Suspenso de um prego espetado na viga do tecto, mesmo por cima das pipas, repousava, quase todo o ano, velho cesto de vimes com pequenos vasos de cerâmica e alguns recipientes de vidro.
Ninguém se atrevia a empoleirar-se num banco ou num cesto de vindima para deitar a mão àquelas cobiçadas quinquilharias, animado por uma brincadeira qualquer. Eram da lapinha. Para a Festa haveriam de ter o seu uso.
Pela Senhora da Conceição, meu avô partia o último bolo de mel, bem guardado na velha caixa de folha, que antes fora de bolachas. Reservado religiosamente para aquele dia, conservava ainda o sabor e a textura peculiares. Estava, enfim, aprovada a amassadura do ano anterior.
Para acompanhar o bolo, o licor de tangerina da Festa passada também era apreciado, pelos adultos, naturalmente. Os pequenos regalavam-se com laranjada.
Nesse primeiro dia da Festa, uma mão-cheia de grãos de milho era atirada para uma taça de faiança Sacavém com água bem fresca. E o milho ficava de molho até grelar. Depois plantava-se nos cantarinhos. Na primeira Missa do Parto era a vez do trigo, centeio, lentilha, alpista, grão-de-bico ou tremoços. O processo era o mesmo. Mal começava a germinar, ia para os vasos cheios de terra escolhida nas mantas de bananeiras. Só a lentilha tinha direito aos pequenos recipientes de vidro. "Dava-se bem ali!" - e não havia lugar a outras explicações.
Abrigadas, de início, em lugar de pouca luz e, só a meio crescimento, expostas ao sol, se o tempo assim permitisse, pela Festa a lapinha era sempre guarnecida com searas viçosas.
As searinhas do Natal ou de outras festividades cíclicas são resquícios de antigos rituais associados à terra, colheitas e fertilidade.
Ainda, nos nossos dias, há quem veja, nas searinhas verdejantes, augúrio de bons tempos. No passado, dizia-se que, nas searinhas da lapinha, o Menino Jesus abençoava as searas e, por conseguinte, a colheita de cereais seria abundante.
Apesar da beleza e do profundo significado deste costume natalício, nos últimos anos, sem que disso houvesse necessidade, começaram a surgir "searas artificiais" entre os enfeites da época. Ao que parece, estas imitações pirosas até se vendem bem, principalmente aos que renegam a tradição na ansiedade consumista ou na sorna comodista.
Mas pior é verificar que, infelizmente, em algumas escolas do 1.º ciclo do ensino básico a lapinha, armada para ou pelos alunos, ostenta foleiras "searas de plástico", perdendo-se, sem desculpa alguma, oportunidade rara para estudar e recriar a tradição e, em simultâneo, promover o conhecimento da germinação de gramíneas ou leguminosas, em actividades interdisciplinares do âmbito do Estudo do Meio.
Se, na sua própria casa, cada um coloca o que bem quiser, incluindo as tais "searas artificiais", a Escola deve, no entanto, assumir outra postura relativamente a um tempo dominado pela imagem da tradição e que dispensa artificialismos grosseiros.
Contudo, será sempre legítima a pergunta: se se tolera e até se incentiva, em termos ecológicos, a utilização de uma árvore de plástico, por que razão não se admite a "searinha artificial"? Por mim, a explicação habita naquele cesto pendurado no telheiro da casa onde nasci. Imagem que percorre uma vida. Prática que deslumbrava e contagiou para sempre. Fascinante mistério da germinação, adensado na lapinha. O verde benzido. Iluminado pela lamparina de azeite, tremeluzente, a agigantar searas nas paredes da sala, num jogo de sombras agasalhado na memória.
Ninguém se atrevia a empoleirar-se num banco ou num cesto de vindima para deitar a mão àquelas cobiçadas quinquilharias, animado por uma brincadeira qualquer. Eram da lapinha. Para a Festa haveriam de ter o seu uso.
Pela Senhora da Conceição, meu avô partia o último bolo de mel, bem guardado na velha caixa de folha, que antes fora de bolachas. Reservado religiosamente para aquele dia, conservava ainda o sabor e a textura peculiares. Estava, enfim, aprovada a amassadura do ano anterior.
Para acompanhar o bolo, o licor de tangerina da Festa passada também era apreciado, pelos adultos, naturalmente. Os pequenos regalavam-se com laranjada.
Nesse primeiro dia da Festa, uma mão-cheia de grãos de milho era atirada para uma taça de faiança Sacavém com água bem fresca. E o milho ficava de molho até grelar. Depois plantava-se nos cantarinhos. Na primeira Missa do Parto era a vez do trigo, centeio, lentilha, alpista, grão-de-bico ou tremoços. O processo era o mesmo. Mal começava a germinar, ia para os vasos cheios de terra escolhida nas mantas de bananeiras. Só a lentilha tinha direito aos pequenos recipientes de vidro. "Dava-se bem ali!" - e não havia lugar a outras explicações.
Abrigadas, de início, em lugar de pouca luz e, só a meio crescimento, expostas ao sol, se o tempo assim permitisse, pela Festa a lapinha era sempre guarnecida com searas viçosas.
As searinhas do Natal ou de outras festividades cíclicas são resquícios de antigos rituais associados à terra, colheitas e fertilidade.
Ainda, nos nossos dias, há quem veja, nas searinhas verdejantes, augúrio de bons tempos. No passado, dizia-se que, nas searinhas da lapinha, o Menino Jesus abençoava as searas e, por conseguinte, a colheita de cereais seria abundante.
Apesar da beleza e do profundo significado deste costume natalício, nos últimos anos, sem que disso houvesse necessidade, começaram a surgir "searas artificiais" entre os enfeites da época. Ao que parece, estas imitações pirosas até se vendem bem, principalmente aos que renegam a tradição na ansiedade consumista ou na sorna comodista.
Mas pior é verificar que, infelizmente, em algumas escolas do 1.º ciclo do ensino básico a lapinha, armada para ou pelos alunos, ostenta foleiras "searas de plástico", perdendo-se, sem desculpa alguma, oportunidade rara para estudar e recriar a tradição e, em simultâneo, promover o conhecimento da germinação de gramíneas ou leguminosas, em actividades interdisciplinares do âmbito do Estudo do Meio.
Se, na sua própria casa, cada um coloca o que bem quiser, incluindo as tais "searas artificiais", a Escola deve, no entanto, assumir outra postura relativamente a um tempo dominado pela imagem da tradição e que dispensa artificialismos grosseiros.
Contudo, será sempre legítima a pergunta: se se tolera e até se incentiva, em termos ecológicos, a utilização de uma árvore de plástico, por que razão não se admite a "searinha artificial"? Por mim, a explicação habita naquele cesto pendurado no telheiro da casa onde nasci. Imagem que percorre uma vida. Prática que deslumbrava e contagiou para sempre. Fascinante mistério da germinação, adensado na lapinha. O verde benzido. Iluminado pela lamparina de azeite, tremeluzente, a agigantar searas nas paredes da sala, num jogo de sombras agasalhado na memória.
Nelson Veríssimo
NOTA DA REDACÇÃO -Normalmente é neste dia que começo a preparar a casa para a quadra Natalícia. Faço o Presépio e o pinheiro artificial no andar de cima, coloco as coroas de boas-vindas na porta principal e na varanda e, como o tempo no mês de Dezembro não rende, já começo a pensar nas broas ou biscoitos que deverei ter em stock; enfim, é uma rotina que anualmente se repete. Interessa, quanto a mim, que seja só rotina a boa organização da casa e suas necessidades, mas que o Espírito de Natal não seja nunca rotina, porque esta é incompatível com essa disposição.
A todos vós, um bom começo de Natal.
tukakubana
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