Um olhar para os Açores, exactamente à ilha do Corvo, em pleno século XV.
Havia ali uma mulher solteira que tinha um filho, o que, para a sociedade local de então, era motivo para ser rejeitada. Às vezes, chegava-se ao ponto de obrigarem as mães solteiras a abandonarem a ilha. E no caso desta, atribuíam-lhe mesmo poderes maléficos, chamavam-lhe bruxa. Com tudo isto, se ela sofria, a criança, conforme crescia e ganhava consciência da situação, tornava-se um ser amargo e revoltado. O moço padecia dolorosamente as humilhações por que passava a mãe e sempre também sobravam para ele.
Também, coisa natural naqueles tempos, numa dada altura, a ilha do Corvo foi assaltada por piratas argelinos, que ali iam abastecer-se. O rapaz não quis saber de mais nada, logo aproveitou para se oferecer a acompanhá-los. Era a maneira que encontrava para se livrar da ilha que tão mal o tratara. E depois, como a mãe já morrera, que ficava ali a fazer?
Os piratas argelinos levaram-no e fizeram uma grande viagem, indo depois dar a Tunes, onde o moço corvino foi oferecido a um faquir, mudando-lhe este o nome de Alípio para Ali. O rapaz, com o seu amo e mestre, aprendeu tudo o que pôde, que lá esperto era ele. Não tardou a ter poderes de faquir: via a distâncias incalculáveis, deixava-se cortar pelas finas lâminas sarracenas e, num ápice, ficava curado. No peito, ostentava a tatuagem do pentagrama, demonstrativa da sua autoridade como faquir.
Mas há sempre um mas nestas lendas. E o mas de Ali era que, mesmo sendo um faquir, lhe aborrecia a penitência e o voto de pobreza que lhe cabia cumprir. Por outro lado, bailavam-lhe na cabeça os vexames que com a mãe suportara na ilha do Corvo e queria vingar-se. Como ouvia a voz da mãe dizer-lhe sempre:
- Pobreza não é vileza, mas é um ramo da picardia.
Assim, atingindo a idade adulta, dotado de saberes e poderes invulgares, não hesitou em arranjar tripulação para dois barcos de piratas que passou a comandar. De Larache, onde armara a sua pequena esquadra, Ali saiu para o Corvo. Aí chegado, fundeou perto da baía da praia para os barcos não serem vistos do Corvo, mas reparou neles uma corvina que por ali andava às lapas. E a mulher deu o alarme. E quando os piratas desembarcaram de uma chalupa à entrada da ilha, esta estava tomada pelos corvinos, que lhes lançaram pedras, obrigando-os a fugir para a chalupa. Porém, como se levantasse forte ventania, a embarcação voltou-se, e os piratas, entre os quais Ali, não conseguiram nadar para os barcos, que era difícil e longe, nem regressar à praia, onde os matariam. Desconfiaram de que o comandante os queria entregar aos corvinos e cortaram-lhe o pescoço. Depois, conseguiram salvar-se.A cabeça de Ali foi dar à praia, onde a reconheceram. Enterraram-na na areia, mas todas as noites ela se desenterrava e ululava pelos rochedos. Até que um dia ficou sob a areia para sempre.
Havia ali uma mulher solteira que tinha um filho, o que, para a sociedade local de então, era motivo para ser rejeitada. Às vezes, chegava-se ao ponto de obrigarem as mães solteiras a abandonarem a ilha. E no caso desta, atribuíam-lhe mesmo poderes maléficos, chamavam-lhe bruxa. Com tudo isto, se ela sofria, a criança, conforme crescia e ganhava consciência da situação, tornava-se um ser amargo e revoltado. O moço padecia dolorosamente as humilhações por que passava a mãe e sempre também sobravam para ele.
Também, coisa natural naqueles tempos, numa dada altura, a ilha do Corvo foi assaltada por piratas argelinos, que ali iam abastecer-se. O rapaz não quis saber de mais nada, logo aproveitou para se oferecer a acompanhá-los. Era a maneira que encontrava para se livrar da ilha que tão mal o tratara. E depois, como a mãe já morrera, que ficava ali a fazer?
Os piratas argelinos levaram-no e fizeram uma grande viagem, indo depois dar a Tunes, onde o moço corvino foi oferecido a um faquir, mudando-lhe este o nome de Alípio para Ali. O rapaz, com o seu amo e mestre, aprendeu tudo o que pôde, que lá esperto era ele. Não tardou a ter poderes de faquir: via a distâncias incalculáveis, deixava-se cortar pelas finas lâminas sarracenas e, num ápice, ficava curado. No peito, ostentava a tatuagem do pentagrama, demonstrativa da sua autoridade como faquir.
Mas há sempre um mas nestas lendas. E o mas de Ali era que, mesmo sendo um faquir, lhe aborrecia a penitência e o voto de pobreza que lhe cabia cumprir. Por outro lado, bailavam-lhe na cabeça os vexames que com a mãe suportara na ilha do Corvo e queria vingar-se. Como ouvia a voz da mãe dizer-lhe sempre:
- Pobreza não é vileza, mas é um ramo da picardia.
Assim, atingindo a idade adulta, dotado de saberes e poderes invulgares, não hesitou em arranjar tripulação para dois barcos de piratas que passou a comandar. De Larache, onde armara a sua pequena esquadra, Ali saiu para o Corvo. Aí chegado, fundeou perto da baía da praia para os barcos não serem vistos do Corvo, mas reparou neles uma corvina que por ali andava às lapas. E a mulher deu o alarme. E quando os piratas desembarcaram de uma chalupa à entrada da ilha, esta estava tomada pelos corvinos, que lhes lançaram pedras, obrigando-os a fugir para a chalupa. Porém, como se levantasse forte ventania, a embarcação voltou-se, e os piratas, entre os quais Ali, não conseguiram nadar para os barcos, que era difícil e longe, nem regressar à praia, onde os matariam. Desconfiaram de que o comandante os queria entregar aos corvinos e cortaram-lhe o pescoço. Depois, conseguiram salvar-se.A cabeça de Ali foi dar à praia, onde a reconheceram. Enterraram-na na areia, mas todas as noites ela se desenterrava e ululava pelos rochedos. Até que um dia ficou sob a areia para sempre.
José Viale Moutinho, Lendas dos Açores
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