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quarta-feira, setembro 16, 2009

A asfixia democrática

..."Temos História a mais e crítica a menos. A nossa História contém a explicação dessa fundamental falha de sentido crítico; é uma História de aventuras e empreendimentos tolhidos pela ganância e pela Inquisição, uma História que enxotou deliberadamente a liberdade, o pensamento e o ímpeto de inovação. Por isso chegamos ao ridículo de ouvir, no ano da graça de 2009, a líder política de um partido social democrata dizer "que não se pode tratar de maneira igual o que é diferente", para recusar o acesso aos direitos civis do casamento a pessoas do mesmo sexo. Esta mesma frase serviu, até ao século XIX, para justificar a escravatura - na última fase, com os mesmos fumos de "tolerância" e "respeito" agora invocados.

Num país feito de castas, hierarquias e hipocrisias instituídas, com uma democracia arenosa e precária, qualquer cheiro a mudança aflige - por isso as questões essenciais da vida e da felicidade das pessoas foram durante tanto tempo empurradas para baixo do tapete, alcunhadas de "questões fracturantes". Manuela Ferreira Leite diz que "a família" é o pilar da nação, sem notar que é exactamente esse um dos factores que mais tem paralisado o país. Porque "a família" se sobrepõe a todo o sentimento de pertença social, falta-nos acção cívica e voluntariado. "A família", no trabalho, é a corporação - por isso vemos uma tão alta percentagem de professores tão embrenhada na defesa das suas regalias e tão pouco interessada na defesa da Educação. A família, na política, é "o partido" - por isso assistimos a uma descarada admissão prévia de boicote dos partidos à esquerda do PS, que se manifestam já indisponíveis para viabilizar um governo, à revelia do interesse dos seus próprios eleitores.

O agora falecido senador Kennedy não esperou pela chegada de um presidente democrata para contribuir decisivamente para a melhoria das condições de vida dos americanos: em vez de pensar que, ao alterar positivamente as leis da Saúde e da Educação, estaria a dourar um presidente de que não gostava (Bush) pensou nos benefícios que poderia trazer à América. É essa espécie de cimento democrático que calamitosamente tem faltado a Portugal, país de quintais e "famílias". Que as famílias sejam ainda máquinas de poder com uma força enorme no tecido empresarial do país, só nos diminui: significa que a competência, a inovação e a visão estratégica são secundarizadas. Acresce que a tão glorificada família tradicional serviu muito mal as pessoas: foi uma prisão forçada para as mulheres, um antro de violência e de abusos inescapáveis para milhares de crianças, e de um modo geral, uma fábrica de conflitos e infelicidade. A família está, desde há décadas, em mudança: em vez de família, temos "famílias", com variados desenhos. As pessoas estão, finalmente, a começar a poder escolher o estilo de vida que querem. O pilar da nação são as pessoas e os seus sonhos. A comunidade. Quem não é capaz de ver isto não é capaz de ver nada."

Inês Pedrosa, Expresso

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