«Comparai, sem preconceitos, o estado do homem civilizado com o do homem selvagem, e investigai, se o puderdes, como além da sua maldade, das suas necessidades e das suas misérias, o primeiro abriu novas portas à miséria e à morte. Se considerardes os sofrimentos do espírito que nos consomem, as paixões violentas que nos esgotam e nos desolam, os trabalhos excessivos de que os pobres estão sobrecarregados, a moleza ainda mais perigosa à qual os ricos se abandonam, uns morrendo de necessidades e outros de excessos; se pensardes nas monstruosas misturas de alimentos, na sua perniciosa condimentação, nos alimentos corrompidos, nas drogas falsificadas, nas velhacarias dos que as vendem, nos erros daqueles que as administram, no veneno do vasilhame no qual são preparadas; se prestardes atenção nas moléstias epidémicas oriundas da falta de ar entre multidões de seres humanos reunidos, nas que ocasionam a nossa maneira delicada do viver, as passagens alternadas das nossas casas para o ar livre, o uso de roupas vestidas ou despidas sem precauções, e todos os cuidados que a nossa sensualidade excessiva transformou em hábitos necessários, e cuja negligência ou privação nos custa imediatamente a vida ou a saúde; se puserdes em linha de conta os incêndios e os tremores de terra que, consumindo ou derrubando cidades inteiras, fazem morrer os habitantes aos milhares; em uma palavra, se reunirdes os perigos que todas essas causas acumulam continuamente sobre as nossas cabeças, sentireis como a natureza nos faz pagar caro o desprezo que temos dado às suas lições.»
Jean-Jacques Rousseau, in «Discurso Sobre a Origem da Desigualdade»
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