Era uma vez uma velha avarenta. Quando um pobre lhe pedia uma esmola respondia:
- O dinheiro que eu tenho é meu.
E quando um pobre lhe batia à porta e lhe pedia pão ela respondia:
- O pão desta casa é meu.
Quando chegava o Outono a velha ia para o jardim apanhar maçãs. Eram maçãs muito bonitas, muito encarnadas e muito redondas. E os garotos encarrapitavam-se no muro e pediam:
- Dá-me uma maçã!
Mas a velha respondia:
- As maçãs são minhas.
Numa noite de Inverno um vagabundo bateu à sua porta e pediu:
- Está frio e neva na estrada. Deixa-me dormir na cozinha da tua casa em frente à lareira.
Mas a velha respondeu:
- A casa é minha, a cozinha é minha, a lareira é minha.
E mandou-o embora.
Um dia a velha à volta do mercado, encontrou outra velha, que lhe pediu esmola. A avarenta ia a dizer que não mas quando se virou para a pobre viu que ela era uma velha muito parecida com ela, e, de repente, teve um minuto de piedade, abriu o seu cabaz e deu-lhe uma cebola.
Daí a tempos a velha avarenta morreu.
Quando chegou à porta do céu S. Pedro disse:
-És uma avarenta vais para o inferno.
E logo um diabo a agarrou e a atirou para um grande buraco que estava à porta do inferno. E já outro diabo a ia empurrar lá para dentro quando o anjo da guarda da velha gritou:
- Não!
S. Pedro disse aos demónios que esperassem e depois perguntou ao Anjo:
- Porque é que disseste que não?
- Por causa disto – respondeu o Anjo.
Abriu a mão e S. Pedro viu na palma da mão uma cebola.
- Acho pouco - disse S. Pedro.
- Para ela é muito. Ela era muito, muito avarenta. Para ela dar uma cebola foi um grande sacrifício – respondeu o Anjo.
- Está bem – disse S. Pedro – vê-se a podes salvar com a cebola.
O Anjo arrancou um dos seus cabelos que eram muito compridos e atou a cebola a uma ponta. Depois debruçou-se no buraco e disse à velha:
- Aqui vai a cebola que deste à pobre. Agarra-te pois vou tentar puxar-te para cima. Mas tem cuidado pois o fio é fino.
A cebola foi descendo devagar na ponta do cabelo que o Anjo segurava pela outra ponta.
Vendo isto as outras almas que estavam no buraco correram todas para a cebola para se agarrarem também.
Mas a velha empurrou-as e gritou:
- A cebola é minha, é minha!
Mal ela disse a palavra «minha» o fio de cabelo rebentou.
E o Anjo não pôde salvar a velha avarenta.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In “De que são feitos os sonhos”- Editora Arial
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