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sexta-feira, dezembro 24, 2010

"É Deus, assemelha-se a mim"

«A virgem está pálida e olha para o menino.
Seria preciso pintar no seu rosto aquela admiração ansiosa que se viu apenas uma vez num rosto humano.
Porque Cristo é o seu filho, a carne da sua carne e fruto do seu ventre.
Ela teve-o em si própria durante 9 meses e dar-lhe-á o seio e o seu leite tornar-se-á sangue de Deus.
Nalguns momentos a tentação é tão forte que esquece que Ele é Filho de Deus.
Aperta-O nos braços e sussura-lhe:"Meu pequerrucho".
Mas noutros momentos fica perplexa e pensa: "Deus está ali",
e é invadida por um religioso temor por este Deus mudo,
por esta criança que num certo sentido incute medo.
Todas as mães ficam perplexas, por um momento, diante daquele fragmento rebelde da sua carne que é a sua criança,
e sentem-se exiladas perante esta nova vida feita da sua vida,
habitada por pensamentos alheios.
Mas nenhum filho foi arrancado à sua mãe de forma tão cruel e radical, porque Ele é Deus e ultrapassa completamente tudo o que ela poderia imaginar...
Mas penso que houve também outros momentos, rápidos e fugazes,
em que ela sente que Cristo é seu Filho, o seu menino, e que é Deus.
Olha-O e pensa: "Este Deus é meu menino.
Esta carne é a minha carne, é feito de mim, tem os meus olhos
e a forma da sua boca é semelhante à minha, assemelha-se a mim,
é Deus e assemelha-se a mim."
E nenhum homem recebeu da sorte o seu Deus só para si,
um Deus tão pequenino para apertar nos braços e cobrir de beijos,
um Deus quentinho que sorri e respira, um Deus que se pode tocar e que ri.
E é nesses momentos que eu, se fosse pintor, pintaria Maria.»

Jean Paul Sartre
Trecho teatral escrito por ocasião do Natal, enquanto prisioneiro

2 comentários:

  1. Que leitura do presépio tão bonita. Serve para oração e remte-nos para o verdadeiro sentido do Natal do Menino Jesus, numa linguagem despida dos vícios clericalistas que por aí abundam. As ditas margens pensam e rezam melhor que os pretensos doutos religiosos que as religiões enformam, com mistos de talibanismo, que tanto mal fazem ao nosso mundo sedento de palavras sensatas sobre o amor e a paz.

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  2. Lindo Tuka! Só tu para encontares as palavras adequadas. Li muito Sartre, mas não me recordo deste trecho.
    Um beijo e mais umas vez Boas Festas, dentro do possível.
    MILU

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