Finas gotas
Caem no horizonte.
Vencidas,
As súplicas
Jazem adormecidas.
Esparsas
Finas lágrimas,
Rolam-te incontidas.
Vencidas,
Não retidas,
Regam-te a vida.
autor: MARIA TERESA GÓIS
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in O Amor Natural , Carlos Drummond de Andrade
Ilustração de Milton DaCosta
"Oitenta anos daqui a poucos dias.
Parece muito. É imenso, não é nada.
Ínfimo grão de pó no pó da estrada.
Raminho de Tristezas, de alegrias.
Crepusculares, doces alegrias.
Por vezes, dolorosa a caminhada,
mas sempre, após a noite, a madrugada.
Cantos de rouxinóis, de cotovias.
De tudo um pouco, assim é que é a vida
se a queremos inteira, bem vivida,
às vezes vendaval, outras bonança-
Bem e mal, noite e dia, riso e dor.
Difícil alquimia: espinho e flor,
mas sempre aberta a porta da esperança."
in, Poesia II- Fernanda de Castro
«Não se pode comer um bolo sem o perder.»
Na esfera baixa da política, como no íntimo recinto das almas - o mesmo mal.
in O Livro do Desassossego, Bernardo Soares
No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
Mário Quintana
"Apontamentos de História Sobrenatural"
Era uma vez uma velha avarenta. Quando um pobre lhe pedia uma esmola respondia:
- O dinheiro que eu tenho é meu.
E quando um pobre lhe batia à porta e lhe pedia pão ela respondia:
- O pão desta casa é meu.
Quando chegava o Outono a velha ia para o jardim apanhar maçãs. Eram maçãs muito bonitas, muito encarnadas e muito redondas. E os garotos encarrapitavam-se no muro e pediam:
- Dá-me uma maçã!
Mas a velha respondia:
- As maçãs são minhas.
Numa noite de Inverno um vagabundo bateu à sua porta e pediu:
- Está frio e neva na estrada. Deixa-me dormir na cozinha da tua casa em frente à lareira.
Mas a velha respondeu:
- A casa é minha, a cozinha é minha, a lareira é minha.
E mandou-o embora.
Um dia a velha à volta do mercado, encontrou outra velha, que lhe pediu esmola. A avarenta ia a dizer que não mas quando se virou para a pobre viu que ela era uma velha muito parecida com ela, e, de repente, teve um minuto de piedade, abriu o seu cabaz e deu-lhe uma cebola.
Daí a tempos a velha avarenta morreu.
Quando chegou à porta do céu S. Pedro disse:
-És uma avarenta vais para o inferno.
E logo um diabo a agarrou e a atirou para um grande buraco que estava à porta do inferno. E já outro diabo a ia empurrar lá para dentro quando o anjo da guarda da velha gritou:
- Não!
S. Pedro disse aos demónios que esperassem e depois perguntou ao Anjo:
- Porque é que disseste que não?
- Por causa disto – respondeu o Anjo.
Abriu a mão e S. Pedro viu na palma da mão uma cebola.
- Acho pouco - disse S. Pedro.
- Para ela é muito. Ela era muito, muito avarenta. Para ela dar uma cebola foi um grande sacrifício – respondeu o Anjo.
- Está bem – disse S. Pedro – vê-se a podes salvar com a cebola.
O Anjo arrancou um dos seus cabelos que eram muito compridos e atou a cebola a uma ponta. Depois debruçou-se no buraco e disse à velha:
- Aqui vai a cebola que deste à pobre. Agarra-te pois vou tentar puxar-te para cima. Mas tem cuidado pois o fio é fino.
A cebola foi descendo devagar na ponta do cabelo que o Anjo segurava pela outra ponta.
Vendo isto as outras almas que estavam no buraco correram todas para a cebola para se agarrarem também.
Mas a velha empurrou-as e gritou:
- A cebola é minha, é minha!
Mal ela disse a palavra «minha» o fio de cabelo rebentou.
E o Anjo não pôde salvar a velha avarenta.
Sophia de Mello Breyner Andresen
In “De que são feitos os sonhos”- Editora Arial
Onde estás, oh Filósofo indefesso
Pio sequaz da rígida Virtude,
Tão terna a alheios, quanto a si severa?
Com que mágoa, com que ira olharas hoje
Desprezada dos homens, e esquecida
Aquela ânsia, que em nós pousou Natura
No âmago do peito, — de acudir-nos
Co'as forças, c'o talento, co'as riquezas
À pena, ao desamparo do homem justo!
Que (baldão da fortuna iníqua) os Deuses
Puseram para símbolo do esforço,
Lutando a braços c'o áspero infortúnio?
Pedra de toque em que luzisse o ouro
De sua alma viril, onde encravassem
Seus farpões mais agudos as Desgraças,
E os peitos de virtude generosa
Desferissem poderes de árduo auxílio?
Que nunca os homens são mais sobre-humanos
Mais comparados c'os sublimes Numes,
Que quando acodem com socorro activo,
Não manchado de sórdido interesse,
Nem do fumo de frívola ufania;
Ou cheios de valor e de constância
Arrostam co'a medonha catadura
Da Desgraça, que apura iradas mágoas
Na casa nua do varão honesto.
Mas Grécia e Roma há muito que acabaram;
E as cinzas dos Heróis fortes e humanos,
Que as cívicas coroas preferiam
Ao louro triunfal, tinto de sangue,
Hoje as pisa, hoje espalha desdenhoso
O vulgo cego dos Filautes duros,
Surdo à voz que o repreende vingadora.
Que os homens, de imprudentes, não alcançam,
Que o perene prazer único e puro,
Que o Céu outorga neste esquivo exílio,
E o que se esparge pelos seios da alma,
E que a transpassa de imortal deleite,
Quando partimos, com bizarra dextra,
Os bens, que liberal nos deu a sorte,
E vemos transluzir radiosa e viva
A Alegria no rosto do afligido,
A Dissabor molesto condenado.
Filinto Elísio, in: "Miscelânia"
NOTA DA REDACÇÃO - ESTA "VERDADE"; ESTA CRUEZA, O ROSTO AFLIGIDO....ATÉ PARECE QUE FILINTO CONHECEU MANUELA FERREIRA LEITE !!!
«Teria hoje 75 anos. Fundou em 1974 um partido chamado "Popular Democrata", três anos depois renomeado PSD (Partido Social Democrata), que dirigiu até à sua morte. Portuense, católico, oriundo de uma família abastada, Francisco Sá Carneiro era casado e pai de cinco filhos. Em 1976 conheceu a editora Snu Abecassis, num almoço com a poetisa e então deputada do PPD Natália Correia, que teria anunciado ao político ir-lhe apresentar a mulher da sua vida.
Snu, mãe de três filhos, era divorciada. Sá Carneiro apaixonou-se e foi viver com ela, na casa dela, com os filhos dela. Um dos seus filhos acompanhou-o. A mulher de Sá Carneiro recusou dar-lhe o divórcio, que então, pós-revisão da Concordata (efectuada em 1975), era já possível em casamentos católicos. Sá Carneiro e Snu passaram pois a viver em união de facto. Numa sociedade em que os divorciados eram olhados de lado e as aparências de "respeitabilidade" e moral católica mantidas laboriosamente, um político de centro-direita, que fez em 1979 uma aliança com o democratas-cristãos de Freitas do Amaral e o Partido Popular Monárquico de Gonçalo Ribeiro Teles e com ela ganhou as eleições, não só vivia numa situação que muitos qualificavam de "pecado" como teve a extraordinária coragem, vistas as circunstâncias, de a assumir. Na época em que Sá Carneiro foi líder partidário e primeiro-ministro a regra não era, como hoje, a da abjecta devassa pública das vidas privadas por publicações especializadas nessa intrusão que têm o despudor de invocar para esse efeito o direito à liberdade de expressão; a regra era a de olhar para o outro lado - desde que, bem entendido, "as coisas fossem feitas com discrição". Sá Carneiro não quis ser discreto, quis ser directo. Quis mostrar que o seu conceito de união e de família rimava com a sua liberdade e não dependia da aprovação dos outros. Consciente do risco que corria e do caldo cultural em que se movia, confrontava os seus colaboradores com a sua opção, tornando claro que trabalhar com ele era aceitá-la . Chegou mesmo a dizer, em 1977: "Se a situação for considerada incompatível com as minhas funções, escolherei a mulher que amo."
Sim, isto sucedeu: em 1977, um líder do PSD pôs a hipótese de o facto de viver com uma mulher com quem não era casado poder arruinar a sua carreira política. Felizmente a sociedade portuguesa mudou muito, tanto que parece mentira que ainda há 32 anos alguém tivesse de pesar esse risco. Parece mentira que há 32 anos se pudesse considerar que uma família é menos família e menos digna ou legítima por não incluir um casamento; que os seus membros devem ter menos direitos - incluindo civis (!) - por esse motivo; ou que as pessoas não possam divorciar-se quando consideram que o seu casamento acabou, sem serem crismadas de "destruidores da família" ou "diluidores dos pilares da sociedade" . Parece-nos mentira hoje. E já então parecia mentira ao social-democrata católico Sá Carneiro. » [Diário de Notícias]
Sigmund Freud morreu na cama drogado e a sonhar dia 23 de Setembro de 1939. Judeu, refugiara-se em Londres do nazismo alemão "para morrer em liberdade" e rendeu-se ao cancro quando viu começar a II Guerra Mundial. Setenta anos depois, o médico que sentava os doentes no divã para lhes ouvir os segredos continua a dar que pensar
No primeiro dia de Setembro de 1939, quando o mundo entrou na II Guerra Mundial, Sigmund Freud estava em Londres às portas da morte. O velho cientista atacado pelo cancro ouviu pela rádio a notícia da invasão nazi da Polónia e o jornalista proclamar o início da "última de todas as guerras". Freud corrigiu, amargo, o erro: "Da minha última guerra." Três semanas depois, a 23 de Setembro - faz hoje 70 anos -, o médico que abriu a janela sobre o inconsciente morreu na cama, drogado e a sonhar.
O pai da psicanálise refugiara-se na capital inglesa um ano e meio antes. Depois da Alemanha de Hitler ter ocupado a Áustria, o judeu, então com 83 anos, deixou para trás o seu célebre consultório em Viena com a mulher, Marta, e a filha preferida, Ana, para "morrer em liberdade".
Freud era um ateu obcecado com morte. Além de acreditar que aquela serviu de pretexto à invenção da religião, ele encarava o fim da vida como missão digna de admiração.
Essa ideia, junto com a de que os seres humanos são dominados pelo desejo sexual, foi uma das que levaram muitos a considerá-lo um louco. Mas isso não era coisa que o pudesse deixar preocupado.
Freud nasceu em 1856 numa família judaica da Morávia e desde cedo sentiu-se um prodígio. Os pais achavam-no melhor que os irmãos e deram-lhe um quarto só para ele. Ele não desapontou. Em 1873, entrou na Universidade de Viena para estudar medicina. Não estava interessado em curar pessoas mas em compreender os mistérios da natureza - curiosidade que o levou às fronteiras da mente.
Freud criou a psicanálise quando já tinha 40 anos. Mas desde muito antes disso começou a levar os sonhos a sério. O austríaco que deitava os doentes no divã para lhes interpretar os desejos mais secretos acreditava que os sonhos - como antes a hipnose - abriam a porta do inconsciente - a parte submersa da mente, na metáfora do icebergue.
Hoje, como no seu tempo, Freud é amado por uns e desprezado por outros. Mas a sua influência é indiscutível, e ele sabia-o. Em 1909 quando desembarcou em Nova Iorque na primeira viagem aos EUA, disse ao colega Carl Jung: "Ele não sabem, mas estão a trazer a peste."
in:DN, hoje