Desde o pecado original que temos praticamente a mesma capacidade para conhecer o bem e o mal. Apesar disso é justamente aqui que temos as nossas preferências. Mas é só para lá deste conhecimento que começam as verdadeiras diferenças. A aparência contraditória é provocada pelo seguinte: ninguém se pode contentar apenas com o conhecimento, mas tem de esforçar-se por agir de acordo com ele. No entanto não nos foi dada a força para tal, e temos que nos destruir, mesmo correndo o risco de nem assim obtermos a força necessária. Mas nada nos resta a não ser esta última tentativa (este é também o sentido da ameaça de morte contida na proibição de se comer da árvore do conhecimento; talvez até seja o sentido original da morte natural). É desta tentativa afinal que temos medo. Preferimos antes desfazer o conhecimento do bem e do mal (a designação «pecado original» refere-se a este medo). Mas o que aconteceu não pode ser invertido, apenas deturpado. Com esta finalidade surgem as chamadas motivações. O mundo está cheio delas, aliás todo o mundo visível talvez não passe da motivação de um homem que por um momento quer repousar. Uma tentativa de falsificar o facto do conhecimento, de transformá-lo em objectivo.
in "Considerações sobre o pecado, o sofrimento, a esperança e o verdadeiro caminho", Franz Kafka
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