8:00 Segunda-feira, 14 de Set de 2009 |
Espero que a liberdade de expressão, conquistada no 25 de Abril, não esteja em perigo" - deixou escapar Cavaco Silva, como quem não quer a coisa, como quem não mete as mãos na campanha eleitoral em curso, ao lado do PSD.
"Um dos mais graves atentados à liberdade de expressão desde o 25 de Abril" - anunciara na véspera, em tom de enterro, José Pedro Aguiar Branco, em nome do PSD. "Um acto de censura", sentenciou Pacheco Pereira. "Uma asfixia democrática", suspirou Manuela Ferreira Leite.
Nove dias de enxurrada, de lágrimas e lamentos de cristãos-novos da liberdade de imprensa - ou da liberdade, simplesmente. Mas, sintomaticamente, não se ouviu nenhuma carpideira atrever-se a tocar no essencial: o 'Jornal de Sexta', da TVI, era jornalismo isento, igual para todos, rigoroso e fundamentado? Não, tal ninguém se atreveu a dizer. Eis uma curiosa ameaça à liberdade: morre uma liberdade que ninguém se atreve a elogiar. Então, porque choram - só porque, como escreveu Pacheco Pereira, o 'Jornal de Sexta' "dava notícias incómodas para o Governo" e agora já não as dá? E porque dava muito jeito ter o jornal activo durante a campanha eleitoral?
Já se sabe que a suspensão do jornal foi ilegal e abusiva. Mas há uma questão anterior a essa e que, pelos vistos, não tem importância, e que é a de saber se a própria existência do jornal era admissível, sob o ponto de vista editorial e jornalístico. E se à quinta-feira também houvesse um jornal televisivo dirigido ad hominem contra a dra. Ferreira Leite? E à quarta-feira um contra o dr. Paulo Portas? E à terça-feira outro contra o dr. Francisco Louçã? Ou, pior ainda, se apenas existisse um jornal contra algum deles e todos os outros passassem incólumes? O que diriam Pacheco Pereira, Aguiar Branco, Cavaco Silva?
Recorde-se: o 'caso Freeport' nasceu três semanas antes das últimas eleições legislativas, através de uma carta anónima cozinhada entre gente ligada ao então primeiro-ministro do PSD e um agente da PJ (condenado por tal em juízo). O objectivo era só um: evitar a vitória iminente de Sócrates e do PS. Depois de quase quatro anos a dormir, o processo reanima-se à vista de eleições, sem que o Ministério Público tenha conseguido matar ou confirmar em tempo útil as suspeitas semanalmente alimentadas pelo "Sol" e pelo 'Jornal de Sexta' contra José Sócrates. O próprio procurador-geral da República (que país extraordinário!) diz não entender como é que o assunto ainda não foi esclarecido pelo MP. Mas a verdade é que não foi, pois parece que a grande questão é a de esclarecer se os magistrados do caso foram ou não pressionados durante um almoço por um colega, para concluírem o assunto rapidamente (o que, como se sabe, é a maior afronta que se pode fazer à Justiça). E eis então que, subitamente, de novo a três semanas das urnas, aparece nova carta anónima enviada ao processo, com "novos dados" - os quais logo aparecem no 'Jornal de Sexta' da TVI. Ó José Pacheco Pereira, você que adora teorias conspiratórias, não acha isto uma coincidência do caraças?
Dizem as boas almas que, independentemente do 'tom' e do 'estilo' do 'Jornal de Sexta', independentemente da verdade ou falsidade dos 'factos' contra Sócrates, foi ele que criou o caso, ao atrever-se a atacar o 'Jornal' de Manuela Moura Guedes (o Vasco Pulido Valente também já tinha explicado isto lá, no próprio jornal). Parece, pois que um tipo, pelo facto de ser primeiro-ministro, não pode sequer irritar-se com o banal incómodo de todas as semanas ser tratado como corrupto por uma televisão, com base num processo que supostamente está em segredo de justiça e onde ele, tanto quanto se sabe, nem suspeito é. Toda a gente poderá, pois, defender-se e contra-atacar se for publicamente tratada como corrupta. Mas não o primeiro-ministro (que, por dever de função, tem de ser o mais insuspeito de todos). A dra. Ferreira Leite que pense bem antes de aspirar ao lugar! Depois não se queixe, se provar do mesmo veneno...
Diz a doutora que Portugal vive em "asfixia democrática" - aliás, faz disso o tema central da sua candidatura ao governo. Ela vem para nos libertar da asfixia e eu quero crer que sim, embora me lembre bem dos tempos dos governos do doutor Cavaco, onde ela ganhou a alternativa política, e dos empresários que se queixavam de serem perseguidos por não alinharem com o regime ou por estarem ligados ao "O Independente" - onde o dr. Paulo Portas se queixava do mesmo mal, por outras palavras e com mais veemência. É o que dá ir para velho: não nos esquecemos das coisas mais antigas...
É claro que eu sei do que a senhora fala. A diferença é não acordar para a "asfixia" só porque um qualquer empresário do PSD se sente intimado ao silêncio pelo Governo PS. Eu sei muito bem quem são os empresários do PS (e que amanhã serão do PSD) e quais são os negócios do regime que hoje são controlados por um governo PS e amanhã se-lo-ão por um governo PSD. A diferença é que ela sente a "asfixia" de ver os empresários com o PS porque o PS é Governo e não acreditam que o PSD o venha a ser, e eu sei que o mal é haver tantos empresários que não vivem sem o Estado, sem os concursos e as empreitadas públicas, sem a isenção fiscal ou a palavrinha do ministro - e que tão corajosamente aceitam ser silenciados. Onde quer que haja dinheiros públicos a ganhar, há empresários dispostos à "asfixia": e isto vale tanto para governos do PS ou do PSD como vale para autarquias do PCP ou do PP. Esse é um dos maiores problemas do regime e que não acredito, sinceramente, que Ferreira Leite tenha alguma veleidade de resolver, se algum dia governar. Eu sou contra o TGV porque é inútil, porque há prioridades bem mais importantes do que este grande negócio público-privado; ela, depois de melhor pensar no assunto, já só é contra porque "não há dinheiro". Mas é só chegar ao governo e vão ver como o dinheiro aparece.
Contra esse tipo de "asfixia" tenho escrito aqui vezes sem conta, ao longo dos últimos anos. Sei bem do que a casa gasta. Mas não confundo as coisas: não confundo os empresários 'asfixiados' ou o 'Jornal de Sexta' 'silenciado' com a "asfixia democrática". Disso, só conheço um exemplo concreto: é a Região Autónoma da Madeira, onde ambas, a liberdade empresarial e a liberdade de imprensa, são uma anedota - e por onde a dra. Ferreira Leite, tal como o doutor Cavaco Silva, se passeiam como se nada fosse, nada ouvissem e nada soubessem. Esclareceu-nos ela que ali não existe qualquer asfixia democrática, porque o governo eterno do dr. Jardim foi sufragado pelo povo. Parece que aqui, não: aqui foi o eng.º Sócrates que tomou o poder por golpe de Estado.
Mas, ao menos, nesta confusão mental em que Manuela Ferreira Leite navega, duas coisas ficaram, enfim, claras: que na Madeira se respira a plenos pulmões a liberdade tal como ela a imagina, e que aquele sistema de governo é um bom exemplo do que ela deseja para o país. Só não esclareceu quem pagaria a conta, mas também não é importante. Ela "perguntou ao país" e o país, claro, respondeu que isso não interessa nada. A 'verdade' é quanto basta.
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