Os gritos de Alexandra, largada aos dois anos por uma mãe alcoólica que se prostituía, e devolvida quatro anos depois a esta mesma mulher, deviam ser capazes de nos abanar. "Luta mãe, não me deixes ir", suplicou a menina, antes de ser arrastada para um país e uma língua que desconhece (a Rússia, o país da mulher que a pariu). Os títulos da imprensa tablóide, onde pelo menos os gritos dos desgraçados e abandonados se ouvem, não lhe valeram de nada. Idália Moniz, a secretária de Estado-adjunta e da Reabilitação, afirmou que a decisão se baseou em "pareceres de técnicos qualificados" - por isso, tudo está bem. Se um técnico qualificado tivesse o poder de arrancar a senhora secretária de Estado ao seu mundo e à sua família, e a despachasse para um povoado a trezentos quilómetros de Moscovo, para viver com gente que desconhece, tudo estaria bem?
Este entendimento desrespeitoso sobre os menores de idade é a raiz de todos os problemas da educação em Portugal. Quando se fala em educação sexual, os adultos mais conservadores (uma outra forma de dizer reprimidos, ou mal resolvidos) entram em urticária moral.
Entendendo a sexualidade como um cortejo de perversidades infinitas, uma coisa suja e feia, uma vertigem de prazeres que não se sabe onde irá parar, querem proteger os seus rebentos disso mesmo - ou seja, das suas cabeças torturantes e torturadas. Precisam da inocência dos outros para se redimirem, e associam a sexualidade à perda da inocência.
Querem controlar os pensamentos e actos dos seus meninos. O terror manifestado pelas comunidades católica e muçulmana face à distribuição de preservativos nas escolas é eloquente: dizem eles que o preservativo é "um incentivo" ao sexo. Parece-me que é preciso ter-se uma mente completamente ocupada por sexo para olhar para um bocado de látex e ficar a salivar de luxúria. Acresce que o projecto agora aprovado é bem claro: os preservativos serão oferecidos em gabinetes de informação e apoio aos estudantes do 10º ao 12º ano - ou seja, rapazes e raparigas com mais de quinze anos. Não estarão disponíveis em máquinas espalhadas pelos estabelecimentos de ensino - se estivessem assim à solta, provocariam certamente animadas lutas de balões de água nos recreios, mas não mais do que isso. Um desperdício.
Um estudo recente da Associação do Planeamento Familiar demonstrou que metade dos jovens de 15 anos é virgem. Os mais novos têm hoje muito mais informação sobre sexualidade do que os seus pais tinham com a mesma idade - o que significa também um decréscimo da curiosidade e do interesse em experimentar tudo já. O crescimento do mundo das relações virtuais é sintoma desta mudança, que se prende também com um sentimento de insegurança face aos contactos físicos. Esta geração cresce no meio de um bombardeamento de notícias sobre pandemias, germes, contágios e crimes de pedofilia. Por outro lado, todo o conhecimento que os jovens têm sobre estas matérias é superficial e alarmista: sabem o que é a sida, em abstracto, mas sabem pouco sobre as formas de contágio e os perigos, e desconhecem o que sejam outras doenças sexualmente transmissíveis.
Continuam a circular nas escolas mitos como os de que o coito interrompido (pobres raparigas!) previne a gravidez, ou que não se engravida à primeira relação sexual, ou que a sida e as outras doenças do sexo só atacam os homossexuais. Por isso é tão importante que exista uma educação para a sexualidade. Creio que o melhor sistema será introduzi-la na disciplina de que ela faz parte: as ciências da natureza. A ideia de uma educação sexual "transversal" está condenada ao falhanço - o caso extremo da professora de História de Espinho que substituía o feudalismo pela análise crítica sobre a vida privada dos alunos demonstra-o. Os jovens têm direito a saber como funciona o corpo humano e o que pode acontecer com ele nas relações íntimas. Educação para a intimidade, felizmente, não há: o que somos na cama é o somatório do que somos e sonhamos fora dela. Qualquer que seja a nossa idade. Respeitemos isso."
Inês Pedrosa
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