A pele morena, rugosa como casca de árvore filha de intempéries, levou-lhe a curtir anos de sol e invernos húmidos de vida.
Só, sempre a conheci só, rua abaixo rua acima, gaguejando num falar difícil, mastigado de nervos, às vezes indecifrável. Os olhos, sob um cabelo ainda escuro desalinhado e grosso, eram gretas vivas, cheios de perguntas.
Forte e atarracada vestia-se de azuis claros e vermelhos, a calhar, saia pingona presa com alfinete de nenhuma ama. Perna grossa, esforçada do trabalho que lhe colava no corpo, nos pés os "sapatos do batizo", como dizia, sempre os mesmos e únicos, sola dura habituada à transição de alcatrões e veredas, de terra fôfa cavada e quente, de ervas orvalhadas.
Andar descalça na necessidade da vida deu-lhe o pé largo, sem forma, onde ao domingo mal cabiam as botas de vilão a caminho da igreja.
A simplicidade da sua existência, a dos pobres de espírito que Jesus gabou, acabou em tortura de doença incurável e morte com flores coloridas e caixão trabalhado.
Iria Maria Branca descalça ?
27/04/02, data do seu funeral
Publicado no programa "Histórias de Vida", Antena 1, Lisboa em 18.02.2008
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