Vinte sete anos depois a tua voz ressuscitou a gaivota que há mim e parte da minha, consequente, noite branca foi um voo escolhido e lento, sobre Lisboa, cidade luz. Demais, corri pela tua mão, Marquês da Fronteira abaixo, cabeça e pés leves, airosos, que nada impedia.
Na esplanada do Parque Eduardo VII aguardava-nos o mesmo criado esquelético, cabelo negro besuntado, estilizadas patilhas e esfíngicas feições apertadas na gola sebenta de um casaco que já vira melhores e mais alvos dias, onde reluziam botões amarelos e punhos puídos . Pedimos Sumol e rimos, felizes e descarados, sob o olhar invejoso e crítico do garçon. As cadeiras eram pesadas de ferro e leves nas cores berrantes de amarelos, vermelhos e azuis claros. Em pequenos toques escolhemos a melhor posição que melhor as juntava e nos juntava.
Cúmplices dos nossos leves beijos passeavam cisnes de cabeça mergulhada, olhos redondos, fixos, num grasnar que nunca percebemos. Ao longe o Tejo era a faixa azul que prolongava o céu e nós éramos nuvem e onda, livres de tudo e de todos, camaradas e companheiros, escrevendo a Amizade em maiúsculas.
Separa-nos hoje um oceano mas acreditaste, vinte sete anos depois, vindo-me descobrir no porto que eu mesma escolhi, sem calçadas brancas, geométricas, mas rico de verdes e de natureza e, sobretudo, com o puzzle do meu coração intacto em que uma das peças tem gravado o teu nome construindo a homogeneidade da minha alma.
Íntimos outrora somos hoje perfeitos desconhecidos. Adultámo-nos e adulterámo-nos no silêncio.
Que empatia actual partilharemos e a quantas horas de conversa converteremos vinte sete anos? Que magia magnetizará a união das nossas mãos?
Nada, nada será maior ou melhor que os nossos anos sessenta numa idade de inocência.
Maria Teresa Santos Tavares Góis
Lido na RDP- Antena 1,Programa "História de Vida" 30 Outº2007
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