Era Agosto, hora da canícula. Dois planos marcavam a luminosidade da tarde - o cinzento do alcatrão e o azul do céu. Tudo o mais era, ali, calor e zumbido infernal de insectos. Subimos em direcção ao Arraial. Cordões de flores de plástico ladeavam a estrada presas em varas pintadas de branco e enfeitadas de ramos de loureiro. Ouvia-se, longe, o responder do povo vestido de festa e apinhado na Igreja engalanada.
Doía a passividade quente, o fervor e a indiferença de algum espectador demasiado bêbado para sentir qualquer coisa.Vista do adro a paisagem gentil e consoladora mergulhava no mar de prata.
Finalmente estala o fogo no ar ! A vozearia, os olhares femininos acesos de bisbilhotices e aquela mole colorida vertendo pelos espaços, indicavam o final da cerimónia.Ataca a banda, a vinhaça nas barracas e aviva-se o braseiro das espetadas. Desapertam-se nós de gravatas, mulheres correm a casa no passo apressado que deixa ver calcanhares e os miúdos fazem rali na multidão que, a custo, dispersa.
Quando o tom solar for mais ameno voltar-se-ão a juntar para ouvir o conjunto e, quem sabe, dançar.O palco está pronto; crianças improvisam saltos e momices próprias de canalha. Sob o tabuado, um vulto encolhido nada vê, nada ouve. Descansa.
É o "Primo", figura conhecida e sempre o primeiro a chegar com os enfeites, a provar o vinho. A sua felicidade é dançar, falar só, "Primo" de todo o mundo, inofensivo no falar, ofensivo no álcool, apagado na vida. Aproveitam-lhe a pensão de invalidez os amigos. O mais ele percorria a pé, como a pé eram todos os seus passos.Regressa o povo vestido de à-vontade, petiscado, pronto para a tarde, pronto para a noite até que dê...
No palco afinam-se instrumentos e abre-se o sentido das crianças, esbugalhadas. Um ou outro olha o vulto imóvel e comenta – que bebedeira ! As colunas de som debitam foleiradas da rádio e o povo aproveita, ávido, a quentura da tarde, o fogo de estalo, os cheiros no ar enfim, a sua última festa de verão.Só aquele vulto jaz, não reage, não participa. A Padroeira tinha-o chamado...
Maria Teresa Góis (sobre facto verídico passado Ribª da Janela, Porto Moniz)
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