Revi há dias o filme “Paris, Texas” de Win Wenders. E impressionaram-me, de novo, as imagens daquele homem a caminhar no deserto, sem um destino certo nem um plano de viagem. Não é fácil abrirem-se caminhos no deserto. A dureza do solo, o vento que move a areia, a falta de referências impedem essas marcas que possam servir a outros. Mas, ainda no filme, o caminhar daquele homem é interrompido por uma missão: voltar a conduzir o coração de uma mãe ao seu filho. E nos desertos que se instalam por dentro das pessoas, mais difícil é endireitar caminhos. Difícil, mas não impossível!
Não sei que filósofo chamava ao homem, “Homo viator”. Mas gosto muito desta expressão. Somos homens e mulheres em caminho. Abrimos caminhos que podem ser referência para outros, traçamos mapas e procuramos novas metas, e descobrimos também como o interior de cada um é um imenso mundo a percorrer. Quantas vezes a vida parece-nos um emaranhado de linhas, curvas e contra-curvas, avanços e recuos? E o tempo e energias que perdemos a pensar: “se tivesse ido por ali…”! Gostaríamos que nos apresentassem os caminhos já feitos e um mapa que bastaria seguir? Eliminaríamos assim o risco, a hipótese de um fracasso, alguns becos sem saída. Creio que foi Gabriel Marcel, um filósofo do século XX que dizia: “o desejo primordial de milhões de homens já não é a felicidade, mas a segurança”. O pior obstáculo a qualquer caminhada é o medo de sair de casa. E a “casa” pode ser a própria mente ou o coração de cada um!
Uma das maravilhas da Bíblia é revelar-nos um Deus a caminho. Ao encontro dos homens e propondo-se caminhar com eles. No oráculo de Baruc é Deus que conduz a Jerusalém os filhos e filhas reunidos desde o poente ao nascente. É Ele que abate os montes e as colinas e enche os vales para aplanar a terra, e Israel possa caminhar em segurança. A experiência da fé é um caminho, um “caminho que se faz ao andar”, como dizia o poeta António Machado. Caminho na terra e na alma. E como poderemos andar sem olhar para o que nos rodeia? E como podemos passar pela injustiça, a opressão, o homem caído, e nada fazer? O caminho do Senhor entrelaça-se com os caminhos dos homens. Vemos montes de orgulho e vales de indiferença? Encontramos caminhos tortuosos e veredas escarpadas? É um risco trabalhar nestes caminhos, mas pior não será ficar parado por medo de que andar seja doloroso? E julgamos que caminhamos sozinhos?
P. Vítor Gonçalves
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