Antes de existirem as traduções para inglês ou neerlandês, fica para a história a edição em português, quando a mais carismática banda desenhada de origem belga só tinha passado fronteiras para a França e para a Suíça, mantendo sempre o francês como língua.
Um anúncio de página no "Papagaio" nº 49 é a "ante-estreia" de Tintim em Portugal, seguindo-se, no nº 51 a primeira capa, e finalmente no nº 53, de 16 de Abril de 1936, o arranque histórico de "Aventuras de Tin-Tim na América do Norte", tradução do então recém-publicado "Tintin en Amérique".
" primeira tradução de Tintim a nível mundial junta-se outro marco histórico para "O Papagaio": é nas suas páginas que os desenhos de Hergé são apresentados pela primeira vez a cores, o que até nem desagradou ao autor, quando recebeu as revistas portuguesas.
Hergé (Georges Remi) correspondia-se com alguma frequência com o padre Abel Varzim - o responsável pela compra dos direitos de Tintim para Portugal - e confessou ter ficado "encantado" por ver os desenhos a cores, apenas criticando a paginação, remontada.
Dizia que não respeitava o original e por isso alterava o efeito de "suspense". "Os desenhos são concebidos como num folhetim, para terminar em cada semana com um desenho palpitante, para melhor manter o leitor interessado", explicava.
A correspondência com Abel Varzim está na posse da Fundação Hergé (Moulinsart) e passa agora para o novo Museu dedicado à obra de Hergé que abre as portas hoje em Louvain-la-Neuve, nos arredores de Bruxelas.
É graças a este acervo que podemos saber que essa "vinda" de Tintim para Portugal começou com as leituras do padre Varzim, quando estudou Sociologia na Universidade da Lovaina, de 1930 até 1934.
Pela Bélgica, o jovem padre português conheceu o padre Norbert Wallez, que dirigia o jornal católico "Le Vingtième Siécle", que tinha como suplemento juvenil o "Le Petit Vingtième", onde se publicaram os primeiros episódios da banda desenhada de Hergé, o qual também se tornou amigo de Varzim.
Em Portugal, "O Papagaio" era a revista juvenil da Rádio Renascença e Abel Varzim recomendou vivamente que os responsáveis da publicação da Rua Capelo comprassem os direitos sobre as aventuras do jovem repórter.
Depois de uma curta negociação, Tintim estava apto a "falar português", animando as páginas de "O Papagaio" por 12 anos, tempo que deu para nove aventuras.
Adolfo Simões Müller, então director do "Papagaio", não escondia o seu entusiasmo pelo trabalho de Hergé e assegurou, na sua saída da revista, levar as histórias de Tintim para outras publicações que depois dirigiu: "Diabrete", "Cavaleiro Andante", "Foguetão", "Zorro".
Quando o "Zorro" acabou, Simões Müller, já com 59 anos, retirou-se da vida editorial e já não esteve ligado à versão portuguesa da revista "Tintim", em 1968, que veio a publicar as últimas histórias daquele herói e recuperou as mais antigas.
A edição em álbum só começou em Portugal em 1988... 52 anos depois de "O Papagaio". A Verbo lançou todos os títulos da série regular e ainda dois dos clássicos a preto e branco, incluindo o lendário "Tintim no país dos Sovietes", nunca colorizado ou redesenhado (o que aconteceu a muitos outros episódios). Antes da edição Verbo, os direitos para língua portuguesa estavam concentrados no Brasil, com a Flamboyant a partir de 1961, a que se sucedeu a Record.
Objecto de grande culto, como bem se pode comprovar com a abertura do Museu Hergé, a série Tintim tem na primeira versão portuguesa de "O Papagaio" um motivo de interesse especial para estudiosos e coleccionadores, que procuram e pagam os números da revista portuguesa "a peso de ouro".
Na revista de Simões Müller, Tintim era apresentado como um português, repórter de "O Papagaio" enviado-especial à Chicago de Al Capone, depois a Angola (rebaptização do Congo original) e outros destinos exóticos.
Esse aportuguesamento do herói levou, por outro lado, a que o "vendedor-de-tudo", o português Oliveira da Figueira, personagem secundária recorrente, passasse a... Olivera de Málaga, "caixeiro-viajante fugido aos horrores da guerra de Espanha".
Mudança menos natural foi a do nome... e do sexo, do cão de Tintim. O cachorro Milou do original "transformou-se" na cadelinha Rom-Rom, um equívoco que ainda perdura para muitos leitores portugueses.
Milou não se chamou Milú porque nas emissões radifónicas de "O Papagaio", na Renascença, cantava uma jovem menina com aquele nome e decidiu-se evitar a confusão". Para a "troca de sexo", tudo aponta para que se trate de um simples erro de tradução, influenciado pelo nome, que em português, decididamente, soava como feminino.
In: DN, 02 Jun 09
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