«No próximo dia 19, celebra-se o Dia Internacional da Filosofia. Para chamar a atenção para a sua importância fundamental.
Mas, afinal, o que é e para que serve a filosofia? D. Huisman e A. Vergez, numa bela introdução à sua temática, escrevem, não sem razão, que há duas palavras que fazem do Hamlet "a peça filosófica por excelência". Primeiro, há o famoso solilóquio: "To be or not to be: that is the question" - ser ou não ser: eis a questão -, e, depois, quando Polónio pergunta a Hamlet o que lê, este responde: "Words... words... words" - palavras... palavras... palavras... Alguns pensarão que a filosofia não passa de um jogo de palavras. O que é facto é que a filosofia tem como questão essencial o ser: "Porque há algo e não nada?"
Mãe de todas as ciências, a filosofia não é uma ciência no sentido estrito, como hoje a entendemos. Daí que nenhum dos sistemas filosóficos obtenha consenso universal. Assim, quem não toma atenção, ao olhar para a história da filosofia, pode ter a sensação de um montão de ruínas. Mas o filósofo é isso mesmo: filósofo. Não é sábio, mas amante da sabedoria. K. Jaspers acentuou: a filosofia "trai- -se a si mesma quando degenera em dogmatismo, num saber fixado numa fórmula, definitivo, completo. Fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em filosofia são mais essenciais do que as respostas e cada resposta converte-se numa nova pergunta".
Montaigne escreveu que "filosofar é aprender a morrer". Portanto, a filosofia também é arte de viver. No espanto interrogador: foi o espanto que levou os primeiros pensadores às especulações filosóficas, escreveu Aristóteles, seguindo o mestre, Platão. Por isso, Kant preveniu que a filosofia não se pode aprender nem ensinar, apenas se pode aprender a filosofar. Foi essa também a lição de Sócrates, o mártir da filosofia. Com o seu método - a ironia e a maiêutica -, ia derrubando o falso saber, assente na ignorância petulante, e, obrigando a reflectir, servia de parteiro à verdade. Acusado de ateu e corruptor da juventude, não temeu a morte. Pelo contrário, enfrentou-a com dignidade, avisando os seus concidadãos: "Obedecerei mais ao Deus do que a vós e enquanto viver não deixarei de filosofar e interrogar-vos: ateniense, como é que te não envergonhas de só pensar em amontoar riquezas, em adquirir honras, e desprezas os tesouros da verdade e da sabedoria e não trabalhas para tornar a tua alma tão boa quanto pode sê-lo?"
Filosofar é um trabalho de reflexão, isto é, tem a ver com aquele movimento do espírito que volta a si mesmo, pondo em questão os conhecimentos que já tem, a caminho de um saber do saber, consciente e crítico, e dando razão das coisas, do que é. Neste sentido, a vida verdadeiramente humana é filosófica, ao colocar-se no plano da inquirição racional livre e do constante pôr em questão. A filosofia tem os pés bem assentes na terra, ao contrário do que pensou a jovem serva da Trácia, que se riu de Tales que, ocupando-se de astronomia, caiu num poço enquanto olhava para o céu. O filósofo, indo à raiz das questões, não abandona o mundo: o que alimenta a sua reflexão são os problemas essenciais do mundo e do homem.
Kant resumiu a sua tarefa em três perguntas fundamentais: "Que posso saber?, que devo fazer?, que me é permitido esperar?" Questão decisiva é a primeira: a do conhecimento, que coloca toda a problemática das ciências e da metafísica. A segunda põe em marcha uma filosofia da acção. A terceira refere-se ao sentido: estamos entregues a forças cegas?, qual é o significado do homem no mundo? Responder a estas três perguntas seria responder também à quarta: "O que é o Homem?"
Disse-se que a filosofia é "serva da teologia". Mas Kant observou ironicamente que a serva tanto pode ir atrás, levantando o manto da sua senhora, como ir à frente com uma tocha acesa, iluminando o caminho. De qualquer forma, o filósofo verdadeiro não cai no dogmatismo: é crítico, humilde e tolerante na busca sem fim da verdade. Porque, como escreveu Unamuno, "nada do que verdadeiramente conta pode provar-se nem refutar-se". A razão, percorrido todo o seu caminho, sabe que acende a sua luz na noite do mistério».
Anselmo Borges (DN)
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