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domingo, novembro 22, 2009

"A Mulher que sabia demais"

Por Maria Filomena Mónica


SIM, É ELA A EVA; ou antes, todas nós, as mulheres. No Génesis, 3, está lá tudo, a serpente, o paraíso, o saber, o homem, a mulher, o suor do rosto e … as dores do parto. Desde que, teria sete anos, dei uma trincada na maçã, imaginando que o fruto me esclareceria a inteligência, e que, em 1963, ousei ter aulas de «parto sem dor», tentando fugir aos desígnios de Jeová, a sua ira abateu-se sobre mim, sob a forma de enxaquecas infantis, passando, na adolescência, pela anemia, seguindo-se as depressões pós-parto, a perimenopausa, a menopausa e a pós-menopausa, tudo coroado pelas clustered headaches, a versão moderna da tortura.

Ela quis roubar-me o Saber? Eu lhe demonstraria, pensou Deus, quão implacável posso ser. Porque o Saber é o meu domínio, meu, muito meu, totalitariamente meu. Ainda por cima, a parva foi dar a provar a maçãzinha ao Adão, o qual, deixado a si, não teria saído do seu natural estado de ignorância. Agora, gemem ambos e é bem feito.

A propósito de uma investigação, no decurso da qual estou a transcrever algumas cartas de mulheres oitocentistas, ando a ler a obra de Lisa Appignanesi intitulada Mad, Bad and Sad: A History of Women and the Mind Doctors from 1800 to the Present, a qual se debruça sobre as doenças femininas e a forma como os médicos as encararam ao longo do tempo. O conteúdo é de arrepiar. Segundo o prestigiado clínico Charcot, as mulheres seriam todas histéricas e as suas doenças teriam, como causa última, o útero. Na minha opinião, o Criador deveria intervir, relembrando à Humanidade que não é de hormonas que se trata, mas do castigo pelo desejo, manifesto por Eva, em querer conhecer a diferença entre o Bem e o Mal.

Como fui eu ter aqui, perguntar-me-ão. A razão é simples. Há meses que ando a tentar ler o Corão, mas, ao fim de alguns minutos de «Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso, Louvor seja dado a Deus, Senhor do Universo, Clemente, o Misericordioso, Soberano do Dia do Juízo, Só a Ti adoramos…», de tal forma me aborreço que regresso ao casulo judaico-cristão. Aqui, pelo menos, o enredo é-me familiar. Deve ser a isto que os politólogos chamam choque de civilizações.

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