..."Cada portuguez que sabe soletrar sente-se logo homem superior, fadado para grandes destinos. trabalho vulgar é vexatorio. A aspiração a sorridente aspiração é ser doutor em qualquer coisa.
É verdade que também se dá o inverso.Ha doutores que devem ter como suprema aspiração o poderem chegar a soletrar correntemente...
O grande sonho da maioria é comer, beber, gozar, brilhar, de corpo direito, sem fazer nada. É ser vadio com dinheiro. A primeira tentação que assedia o portuguezinho illustre é a de ser político, de falar de política. É possivel que seja por pressentir, intuitivamente, que é essa a mais ampla porta de ingresso à vadiagem brilhante.
Cada um crê-se um arbitro da paz ou da guerra no concerto europeu; e, a dentro fronteiras da nossa Parvonia, sente-se um estadista, um economista, um tribuno. Em qualquer sitio arma arraial e peróra. É na taberna, na pharmacia, nas officinas, nos clubes, nas esquinas, no soalheiro...Em toda a parte onde não abunde o juizo, nem sobeje a vergonha.
Impingem-se mutuamente planos, theorias, segredos, boatos, patranhas; aqui difamam-se, além calumniam-se; ora insinuam, ora blandiciam, ora ejaculam catilinarias. Falam, acaloram-se, indignam-se, tomam attitudes tribunicias. Arranjam sacolas de pedinte e trabuco de salteador. Procedem conforme a ocasião. Dardejam rethorica, lamurias, supplicas, ou fulminam ameaças, de bacamarte aperrado à cara.
Querem tudo, menos o trabalho. Que lhes não falem nessa negregada coisa. O trabalho , para elles, é remedio amargo que só póde tragar-se a olhos fechados e a grandes sôrvos, para se lhe não tomar o gosto."...
Eça de Queiroz
in: "Do Paiz da Luz, communicações medianimicas" - 1926
2ª edição Livraria da Federação Espírita Brasileira
Quase 100 anos depois, mal sabe o próprio Eça que os seus escritos continuam actuais.
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