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quinta-feira, janeiro 14, 2010

A religião e as mulheres

As mulheres são discriminadas, com grandes culpas das estruturas religiosas. Está na altura de se perceber que os direitos humanos são sagrados e não podem depender dos órgãos genitais
O poder e a popularidade das religiões decorrem, em parte, da orientação ética que proporcionam. Então por que razão tantas ajudam a perpetuar a opressão das mulheres, que muitos de nós consideram inaceitável do ponto de vista ético?
Não que os senhores da guerra do Congo citem as Escrituras para justificarem as violações em massa (embora o último senhor da guerra com quem me encontrei se designasse a si próprio "pastor" e tivesse um botão com a inscrição "rebeldes de Cristo"). Não que as noivas sejam queimadas vivas na União Indiana ao abrigo de um ritual hindu. E não há um versículo do Alcorão que ordene aos meliantes afegãos que atirem ácido à cara das raparigas que se atrevem a ir à escola.
Contudo, este tipo de abusos - a par das injustiças mais banais, como esbofetear uma namorada ou pagar menos às mulheres pelo mesmo trabalho que o feito por um homem - surge num contexto social em que as mulheres são muitas vezes cidadãs de segunda. Um contexto que as religiões ajudaram a moldar ou que não fizeram nada para mudar.
"Em muitas religiões, as mulheres são impedidas de desempenhar um papel igual ao dos homens, o que gera um ambiente em que as violações dos direitos da mulher são justificadas", sublinhou o antigo presidente Jimmy Carter num discurso que proferiu o mês passado no Parlamento das Religiões do Mundo, na Austrália.
"A crença de que as mulheres são seres humanos inferiores aos olhos de Deus", continuou Carter, "desculpa o marido que espanca a mulher, o soldado que viola uma mulher, o patrão que tem uma tabela salarial mais baixa para as empregadas, os pais que decidem um aborto de um embrião feminino".
Carter, que considera a religião uma das "causas de base da violação dos direitos das mulheres", é membro de The Elders, um pequeno conselho de antigos líderes formado por Nelson Mandela. Os Elders debruçam-se sobre o papel da religião na opressão das mulheres e emitiram um comunicado conjunto pedindo aos líderes religiosos que "mudem todas as práticas discriminatórias nas suas religiões e tradições".
Os Elders não são nem anti-religiosos nem agitadores - entre eles conta-se por exemplo o arcebispo Desmond Tutu -, e começam as suas reuniões com um momento de oração silenciosa.
"Os Elders não atacam a religião enquanto tal", frisa Mary Robinson, antiga presidente da República da Irlanda e alta comissária da ONU para os Direitos Humanos. Mas acrescenta: "Todos reconhecemos que uma das grandes prepotências que as mulheres têm de enfrentar é o modo como a religião pode ser manipulada para as subjugar."
E a verdade é que tanto o Alcorão como a Bíblia dão pano para mangas a todos quantos procurem uma teologia da discriminação.
O Novo Testamento cita S. Paulo (I Timóteo 2), quando diz que as mulheres "devem guardar silêncio". O Deuteronómio declara que, se uma mulher não sangrar na noite de núpcias, "os homens da sua aldeia devem apedrejá-la até à morte". Uma oração dos judeus ortodoxos agradece a Deus "não me ter feito mulher". O Alcorão estipula que uma mulher herda menos que um homem e que o testemunho de uma mulher tem metade do valor do de um homem.
A bem da verdade, muitos estudiosos acreditam que S. Paulo não escreveu de facto as passagens que apelam ao silêncio das mulheres. E a religião islâmica começou por ser socialmente avançada no que diz respeito às mulheres - proibindo o infanticídio feminino e limitando a poligamia - mas não progrediu depois disso.
Paradoxalmente, as igrejas que, em África, têm feito mais para dar voz às mulheres são as conservadoras, lideradas pelos evangélicos e sobretudo pelos pentecostais. Neste contexto, é uma réstia de esperança que nos diz que, embora a religião possa ser um problema, pode também contribuir para a sua solução. O Dalai Lama deu esse passo e considera-se um feminista.
Outro excelente precedente é a escravatura. As três religiões monoteístas aceitaram a escravatura. Maomé era dono de escravos e S. Paulo parece não se ter oposto à escravatura. Todavia, os pioneiros do movimento abolicionista eram quakers e evangélicos como William Wilberforce. As pessoas com fé acabaram por trabalhar arduamente para desmantelar essa instituição opressora que as igrejas tinham aceitado.
Hoje em dia, quando as instituições religiosas excluem as mulheres das suas hierarquias e rituais, é inevitável o pressuposto de que as mulheres são inferiores. Os Elders têm razão em querer que os grupos religiosos defendam um princípio ético simples: os direitos humanos de cada pessoa devem ser sagrados, e não depender de algo tão terreno como os órgãos genitais.


Exclusivo i/The New York Times 
por Nicholas Kristof, Publicado em 14 de Janeiro de 2010- i online

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