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domingo, novembro 07, 2010

"o rato do campo e o rato da cidade"


Tudo no Universo tem valor relativo.
Na vida dos povos é a História que regista os factos.
Na vida das pessoas é a memória que regista as emoções.
Instintivamente criamos hábitos, afectos, necessidades que se vão substituindo em cadeia, tecendo a nossa maneira de ser e agir, espalhando sinais no registo da nossa própria história.
A globalização, as exigências tecnológicas que todos os dias nos entram porta adentro, contrastam com as limitações e simplicidade de vida que ainda se vive nas zonas rurais da Madeira.
Vivi a realidade rural em 1973 sem água canalizada, com cortes quase diários de luz, com redes viárias distantes, autênticas vias dolorosas da necessidade de chegar. Porém, eram matematicamente certas e acertadas no seu empedrado simétrico, património que nunca deveria ter sido destruído ou alcatroado na sua totalidade.
A luz estabilizou e tornou-se universal tal como a água nos chegou, não tem muitos anos, com à vontade, mas perdendo a frescura das nascentes pela necessidade de desinfecção.
Evoluem as estradas, os edifícios, os espaços comerciais vocacionados para o turismo, mas há mentalidades que nunca evoluem.
Às lufadas, a civilização vai penetrando o meio rural, mas não entra o saneamento básico, o simples número de porta, a qualidade ambiental, o sentimento ecológico da Natureza e a sua capacidade de pressão e impressão sobre o turismo, a tecnologia. Não para um ou dois, mas para todos.
Fazem-se projectos, inventam-se obras e submetem-nas ao parecer de uma, duas, três cabeças, de ideias “acimentadas”, sem ouvir a opinião dos residentes, sobre o que é deles e para eles.
Tudo se resolve em gabinetes de cidade.
E o que outrora era aprazível, rico de verdes, de folhagens rebeldes que no Outono enchiam a estrada, no Verão dando a sombra, dos bancos de madeira e neles o descanso dos idosos a caminho da Igreja, das crianças, dos encontros imprevistos, da cabine telefónica – única por sinal – desaparecida sabe-se lá porquê e para onde, hoje é uma imensidão árida, fria e impessoal, de um branco obsceno pelo seu custo ao m2, descaracterizando um adro, um parque, o centro de uma povoação, desertificando a paisagem da Santa, em Porto Moniz.
Ninguém se conforma!
Sinais de tempos insensatos em que o ciclo repetitivo da História nos dará, de luva branca, a chamada de atenção às gerações futuras.
Haverá sempre um destino a preencher, um fim a conseguir, uma ambição a realizar e quem queira, num impulso, opinar ou contrariar uma insensatez será, no mínimo, marginalizado. Assim se vive a Democracia.
Entra aqui a conhecida fábula de Esopo “O Rato do Campo e o Rato da Cidade”.
A teoria do conceito de existência áurea mediocritas que defende o ideal de vida tranquila, caracterizando a ruralidade numa total ambientação com a natureza, livre por opção, mas a que hoje sentimos necessidade de acrescentar alguma da tecnologia moderna, tem levado a que sejam dezenas as famílias urbanas que escolhem para lazer, fins-de-semana e férias, as veredas e ruas estreitas onde antigos palheiros se transformaram em pequenas habitações. Sejam bem-vindos!
A qualidade de vida do “rato do campo” que, na sua paz de espírito usa a tranquilidade, o ar puro e aproveita da terra os seus frutos para uso, venda e despensa, vê – se assim na dependência da necessidade do tino do rato urbano para que na sua ambição, ânsia ou proveito próprio, não transformem os ratos do campo em ratos de laboratório…


Maria Teresa Santos Tavares de Góis

Publicado no Diário de Notícias da Madeira, 07 de Novembro de 2010, rubrica "Sinais dos Tempos"

2 comentários:

  1. Um texto deveras interessante e real sobre as diferenças.

    Que me chamei louca...mas nada como o "rato da aldeia".

    bj

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  2. Fez bem lembrar-nos das diferenças entre o campo e a cidade, muito embora sejam duas realidades que nos apaixonam. Pena que em ambas os «ratos» não sejam todos iguais. Também acho que denunciar o que se tinha e que se assassinou sem escrúpulos. Os tais caminhos empedrados fazem muita falta hoje e o seu fim ofende gravemente aqueles que no passado labutaram até à morte para construir. Muito importante este texo.

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