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sábado, agosto 01, 2009

O futuro sem futuro



Eles também nascem. E crescem. Também amam e esperam. São seres humanos como nós. Também sorriem, mas tristes: a alma afunda-se na negrura da impotência, da dor e da tristeza. Tentam trabalhar. Sofrem demais. Morrem cedo, demasiado cedo. De desnutrição, de falta de água e de higiene e de remédios. De fome. Faltou-lhes tudo.

Eles são os pobres. Aos milhões, cada vez mais. E é uma vergonha para a Humanidade que, quando há possibilidade do mínimo para todos, tantos morram ao abandono da fome. E Deus a perguntar, como no princípio a Caim: "O que fizeste do teu irmão?" Como se pode tolerar que ao mesmo tempo que aumenta a riqueza mundial seja cada vez maior o fosso entre os ricos e os pobres, cujo número, com a crise, não cessa de crescer?

São homens e mulheres, aos milhões - muitas crianças -, a quem foi negada a dignidade humana. Este é que é o problema maior da Humanidade, que tem de ter uma solução. Esperamos numa boa solução. Porque, se não for a bem, será a mal. De facto, quem julga que o tempo das revoluções acabou está enganado. Vem aí a revolução dos pobres e desesperados.

Na sua última encíclica, Caritas in Veritate (A caridade na verdade), Bento XVI tentou dizê-lo, mas, segundo alguns, sem a força necessária. Daí, a par do merecido aplauso, as justas críticas ao documento. Que é demasiado longo, num amálgama para todos os gostos, o que é verdade. Que, ao falar a partir de um lugar soberano de pureza moral, ignora a necessária autocrítica da Igreja, o que também é verdade. Que a crítica do mercado e do universo financeiro tinha de ser muito mais severa e concreta. Que é equilibrista e tem míngua de análise crítica e denúncia e anúncio proféticos.

Se há desafio gigantesco para a Humanidade, é o de encontrar um modelo económico que alie liberdade e justiça. De facto, com o comunismo, o que se queria era implantar a justiça, mas o resultado foi uma sociedade sem liberdade nem justiça. Com o capitalismo desenfreado, a liberdade é só para alguns e opressora.

Como acaba de escrever o famoso bispo Pedro Casaldáliga, "impõe-se também uma recusa crítica do suposto 'triunfo' do capitalismo neoliberal. Porque nós, pelo menos, não vemos em lado nenhum esse triunfo, se nos referimos à imensa maioria da Humanidade. Acrescendo que o próprio capitalismo neoliberal triunfante não se sente tão seguro de si, frente às suas contradições internas. Mas, mesmo que esse triunfo do egoísmo estrutural se tivesse dado, seria um fracasso ético da família humana, pois estar-se-ia a evidenciar, mais uma vez, a impossibilidade de uma política e uma economia honestamente fraternas; ter-se-ia imposto outra vez, como única possível, a 'ética dos lobos'".

A encíclica, inesperadamente, refere- -se à necessidade de mais Estado, critica o neoliberalismo e diz que urge uma Autoridade política mundial reconhecida por todos. Mas não houve ousadia profética. Continua a inscrever-se, ainda que o seu fio condutor seja o do desenvolvimento humano integral, no horizonte do desenvolvimento aparentemente sem limites. Como escreveu J. Ignacio Calleja, não se colocou a questão do "decrescimento" como forma de mudar os estilos de vida. Eu próprio há muito tempo me pergunto se não continuamos inconscientemente instalados na ideia de um progresso ilimitado. Mas a pergunta é: é possível um desenvolvimento sem limites num mundo limitado? Por outro lado, não é verdade que se torna cada vez mais claro que o "trabalho" se tornou definitivamente um bem escasso e que é preciso partilhá-lo, com todas as consequências? Cá está o tal "decrescimento".

Afinal, a questão é simples. O presente modelo de desenvolvimento não é universalizável. Quem tiver dúvidas pergunte o que acontecerá, quando, por exemplo, os quase três mil milhões de chineses e indianos quiserem e obtiverem os padrões de vida e consumo ocidentais. A contradição é esta: por um lado, impõe-se promover os pobres, que têm direito ao desenvolvimento, mas, por outro, no quadro do nosso modelo, isso é problemático, porque o planeta não aguenta ecologicamente. Então?

Anselmo Borges - DN, Lisboa, hoje


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