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quarta-feira, novembro 04, 2009

O “Toco”

Figura baixa, curvada, uma camisola de malha azul em que as malhas caídas eram mais do que os anos de vida, saca de serapilheira ao ombro, bordão na mão, cabelo branquinado debaixo de uma barreta puída, olhos que eu lembro claros mas não sei se de azuis de cor, se claros da limpidez com que me olhava.

Tinha em si um dom, uma dádiva de Deus, que punha graciosamente ao serviço de quantos lho pediam, na sua humilde porta.

Conhecia todos os ossos do corpo sem conhecer uma letra; conhecia nervos e tendões, sem identificar um número.

Ontem de manhã quando o sino tocou a finados soube que morrera "o Toco" do Pico Alto.

Um dia foi ao Banco e calhou-me atende-lo. Era um velhito castiço, falastrão e educado, vivo e sábio. 
Meio a brincar disse-lhe que tinha um dedo avariado e se ele me daria conserto. "deixe ver, D. Teresa". Céptica, estendi o braço mesmo por cima do balcão de mármore, mão aberta e dedo polegar espetado e enfermo. Tacteou, carregou e disse-me triunfante:"é aqui, só vai doer um bocadinho". Molhou os dedos na sua saliva ,porque não podia trabalhar em seco, e no mesmo instante senti uma dor que me teletransportou nem sei para onde e vi, incrédula, o meu pobre dedo dar uma volta de quase 180 graus.

Radiante, olhou-me e disse: "está novo!".

Até hoje e já lá vai uma bem medida dúzia de anos, nunca mais senti que tinha polegar.

Bem-haja por todo o bem que fez, tantos foram os que endireitou e curou.

Enterrou-se hoje.

Se não foi direito para o Céu em que acreditava, penso que estará fazendo serviço pelo Purgatório.

Já me esquecia – a melhor "graxa" para dar as massagens era o óleo de bebé por ser mais "amoroso" e que ele usava generosamente.



Maria Teresa Santos Tavares Góis

Porto Moniz, 04.11.2009

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