«Desculpa: mais peregrino que o rio não conheço. As ondas vão, vão nessa ida sem fim. Há quanto tempo a água tem esse serviço? Sozinho sobre a velha canoa, Ernesto Tima media a sua vida. Aos doze anos começara a escola de tirar peixe da água. Sempre no comboio da corrente, a sua sombra havia mostrado, durante trinta anos, a lei do homem sobre o rio. E tudo era para quê? A seca esgotara a terra, as sementes não cumpriam promessa. Quando regressava da pescaria, não tinha defesa para os olhos da mulher e dos filhos que se espetavam nele. Pareciam olhos de cachorro, custava admitir, mas a verdade é que a fome iguala os homens aos animais.»
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Mia Couto
Os Pássaros de Deus (Vozes Anoitecidas)
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