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quinta-feira, abril 15, 2010

ANTIGA DOR

O subtil, o reflexo, o vago, o indefinido,
Tudo o que o nosso olhar só vê por um momento
Tudo o que fica na Distância diluído,
Como num coração a voz do sentimento.
Tudo o que vive no lugar onde termina
Um amor, uma luz, uma canção um grito,
A última onda duma fonte cristalina,
A última nebulosa etérea do Infinito...
Esse país aonde tudo principia
A ser névoa, a ser sombra ou vaga claridade,
Onde a noite se muda em clara luz do dia,
Onde o amor começa a ser uma saudade;
O longínquo lugar aonde o que é real
Principia a ser sonho, esperança, ilusão;
O lugar onde nasce a aurora do Ideal
E aonde a luz começa a ser escuridão...
A última fronteira, o último horizonte,
Onde a Essência aparece e a Forma terminou...
O sítio onde se muda a natureza inteira
Nessa infinita Luz que a mim me deslumbrou!...
O indefinido, a sombra, a nuvem, o apagado,
O limite da luz, o termo dum amor,
Tornou o meu olhar saudoso e magoado,
Na minha vida foi minha primeira dor...
Mas hoje, que o segredo oculto da Existência,
Num momento de luz, o soube desvendar,
Depois que pude ver das cousas a essência
E a sua eterna luz chegou ao meu olhar,
Meu infinito amor é a Alma universal,
Esa nuvem primeira, essa sombra d'outrora...
O Bem que tenho hoje é o meu antigo Mal,
A minha antiga noite é hoje a minha aurora!...

(de Sempre, 1898/1902)

TEIXEIRA DE PASCOAIS

Nasceu em Amarante, em 1877.
Formou-se em Direito e exerceu a advocacia.
Criou, com outros, a Renascença Portuguesa, grupo que se propôs «restituir Portugal à consciência dos seus valores espirituais próprios», na sequência da publicação da revista A Águia, de que viria a ser director literário.
Publicou mais de trinta obras.
Morreu em 14 de Dezembro de 1952, na sua casa de Pascoaes.

A história da poesia está cheia de reconhecimentos tardios. Nem sequer é pois excepção que a Teixeira de Pascoaes tenha cabido a sorte de permanecer, durante quase toda a sua vida, ignorado da maioria dos seus contemporâneos, à excepção daqueles núcleos que, em sucessivas gerações, sempre souberam reconhecer nele um dos maiores poetas portugueses. Já ele era velhinho quando a fama acabou por lhe bafejar o nome. Mas a sua poesia quase não contribuiu para tal. Deveu-a sobretudo ao seu livro em prosa sobre S. Paulo; as suas obras poéticas continuaram a ter tão pouca procura como antes, a sua poesia tão pouco eco como até aí; permaneceu um poeta «para os raros apenas», como diria o seu muito famoso contemporâneo Eugénio de Castro.
A verdade é porém que nenhum reconhecimento público poderá dar à sua poesia aquilo que ela, na sua totalidade, recusa a qualquer maioria; ele é, de facto, um poeta impopularizável a todos os títulos; o seu nome acabou por ser famoso - e talvez nem tanto... Mas a sua obra continuará desconhecida, devido àquilo mesmo que nela é essencial.
(Adolfo Casais Monteiro, A Metafísica da Paisagem: Teixeira de Pascoaes. Incluído em A Poesia Portuguesa Contemporânea, Sá da Costa, 1977)

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