Abro a porta da rua e o nevoeiro lambe-me num reencontro desconfortável, repetitivo.
O motor do carro não responde à primeira ordem e pede acelerador e paciência. Cumpro. Rumo à Vila, encosta abaixo, no horário quotidiano.
O ilhéu esfumado e opaco envolve-se de sombras húmidas. O mar fustiga-o e o rochedo permanece habituado, vaidoso das rendas brancas que o bordam.
Cinzentos casam-se no horizonte, mar e céu e os barcos que vejo, longe, lembram-me as horas.
Clareia e começa o dia sempre igual; as mesmas caras e saudações não prometem novidades. Também o facto de ser Sexta-feira não parece satisfazer nada e ninguém.
Fim de tarde.
Desço ao porto para meter gasolina. Enquanto olho o mar e acho-o, agora, zangado. Pintam-se brancos ondulantes que as gaivotas evitam.
Uma voz uníssona, chorosa, um clamor dorido e o corre-corre das gentes alerta-me. Corro também.
Homens nervosos puxam fumaças apressadas, ajeitam barretas inquietas, gesticulam. As mulheres choram, apertam a cabeça e arrastam filhos pelas bainhas das saias.
Os barcos ! Os barcos saíram na alvorada da pesca e ainda não voltaram !
Rostos tisnados, rugosos, peles feitas das mesmas fomes e alegrias, espelham consternação. É íntima a dor que os atende e abraça e é única, também.
Esgota-se a tarde no tempo que a noite promete.
Empoleirado no guindaste um miúdo desafia o equilíbrio e a amplidão do mar. Só esta paisagem é possível ! Vultos sobem e descem a rampa do porto, semicerram-se olhos e até se aponta, nas muralhas, um binóculo.
E o grito do catraio nas alturas, esganiça-se no ar – SÃO ELES, SÃO ELES !
Dois pontos concretizam-se à força de braços, à força de gritos distantes que as preces não aproximam.
É pouco o espaço da chegada para tanta gente.
Avançam mulheres e filhos e riem, riem, atirando ao ar a gargalhada de mais uma vitória.
imagem:quadro de William Turnner "fishermen at sea"
Maria Teresa S. T. Góis
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