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domingo, abril 25, 2010

Era uma vez um País


                     
                     Era uma vez um país
                    Onde entre o mar e a guerra
                    Vivia o mais infeliz
                    Dos  povos à beira mar
Portugal viveu durante 48 anos debaixo de uma ditadura feroz imposta pelo regime que o governava com mão de ferro.
Os donos e os senhores deste País foram o grande capital e os grandes latifundiários, que oprimiram e exploraram o povo, na sua maioria inculto e a quem foram incutidos sentimentos de subserviência, medo e fatalismo.
Onde entre vinhas sobredos
Vales socalcos searas
Serras atalhos veredas
Lezírias e praias claras
Um povo se debruçava
Como um vime de tristeza
Sobre um rio onde mirava
A sua própria pobreza.
Os trabalhadores foram sempre as grandes vítimas da ganância desses senhores e objecto das perseguições policiais que investiam sobre pessoas indefesas que apenas lutavam pelos seus direitos e pela dignidade de um País amordaçado.
Era uma vez um País
Onde o pão era contado
Onde quem tinha a raiz
Tinha o fruto arrecadado
Onde quem tinha o dinheiro
Tinha o operário algemado
Onde suava o ceifeiro
Que dormia com o gado
Onde tossia o mineiro
Em Aljustrel ajustado
Onde morria primeiro
Quem nascia desgraçado.
Foram esses senhores que durante 48 anos oprimiram e mataram (ou mandaram matar…) Catarina Eufémia, Humberto Delgado, Dias Coelho, entre muitos outros, só por terem sonhado com um País mais justo, mais solidário, sem exploradores nem explorados e onde houvesse pão, paz, saúde, habitação e educação para todos.
Era uma vez um País
De tal maneira explorado
Pelos consórcios fabris
Pelo mando acumulado
Pelas ideias nazis
Pelo dinheiro estragado
Pelo dobrar da cerviz
Pelo trabalho amarrado
Que até hoje já se diz
Que nos tempos do passado
Se chamava esse País
Portugal suicidado.
Foram estes mesmos senhores que durante 13 longos anos mantiveram uma guerra colonial que ceifou e estropiou milhares e milhares de jovens, a flor de uma geração.
Ora passou-se porém
Que dentro de um povo escravo
Alguém que lhe queria bem
Um dia plantou um cravo.



Era a semente da esperança
Feita de força e vontade
Era ainda uma criança
Mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
Era a força da razão
Do coração à cabeça
Da cabeça ao coração.
Faz agora 36 anos.
Era a tarde de 23 de Abril de 1974... Álvaro Guerra, jornalista do Jornal República, recebia em mão, num alfarrabista de Lisboa, uma folha de papel amarelo que iria mudar o rumo da história de Portugal.
Nele estava escrita a senha que ouvidos atentos de homens já cansados de uma guerra sem sentido e duma nação sem esperança, esperavam ouvir nos quartéis para então saírem para a rua, rumo à construção do País Novo.


Quem o fez era soldado
Homem novo capitão
Mas também tinha a seu lado
Muitos homens na prisão.
João Paulo Diniz, produtor e locutor do programa “Alfabeta”, às 23,55 horas “enganou-se” nas horas – esse “engano” era parte integrante da primeira senha –“Faltam cinco minutos para as 23 horas”, seguindo-se a canção de Paulo de Carvalho “E Depois do Adeus”, vencedora do Festival da canção de 1974.

Dizia soldado amigo

Meu camarada e irmão
Este povo está contigo
Nascemos do mesmo chão
Trazemos a mesma chama
Temos a mesma ração
Dormimos na mesma cama
Comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
Soldadinho ou capitão
Este povo está contigo
A malta dá-te razão.

Foi a Rádio Renascença, no programa “Limite”, que às 00,20 H, lançou para o ar a estrofe de “Grândola Vila Morena” : “Grândola Vila Morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade” seguida desta canção na voz de Zeca Afonso.
Foi então que Abril abriu
As portas da claridade
E a nossa gente invadiu
A sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
Na madrugada serena
Um poeta que cantava
O povo é quem mais ordena.


Estava dado o sinal que tudo estava a correr como previsto. A partir desta altura começava a nascer um novo País...
e tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.
Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.




Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!


E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
 
"As portas que Abril Abriu"
José Carlos Ary dos Santos

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