[google6450332ca0b2b225.html

domingo, maio 16, 2010

estrelas nos olhos

Naquele fim de tarde dolorida,
foi minha mãe à fonte e viu estrelas
projectadas na água adormecida.
Levantava-se a Lua atrás das serras
e estendia brancuras sobre as ruínas
e ao longo das estradas,
como que desfolhando no ar um ramo
de magnólias divinas
e acuçenas magoadas.
E a minha mãe ia a levar a boca
à fonte pura para deixar nela
a sede que a pungia.
Por três vezes se ouviu : Ave ,Maria!
A fonte estremunhou num sobressalto,
Em redor e por cima a Noite,
nua de nuvens, virginal e calma.
O silêncio rezava no céu alto.
Abriam sonhos de oiro em cada alma.
Voltou a casa minha mãe. E enquanto
ela regava, ao fundo da varanda,
um craveiro florido
e rescendente,
perguntei-lhe, entre triste e surpreendido,
piedosamente:
- Donde vens, que não vens como costumas?
As lágrimas, que trazes nos teus olhos,
não são iguais a lágrimas nenhumas...
Iluminam a casa e dão à gente
a sensação de estrelas despegadas
das mãos de Deus abertas de repente
às nossas mãos cansadas.
Respondeu a mãe:
- É que, meu filho, fui à fonte além,
e quando me verguei para beber,
lembrou-se-me de ti o coração.
Então,
vi estrelas do céu no fundo da água,
sem limos nem escolhos.
E já não quis beber. E não bebi.
Recolhi as estrelas nos meus olhos
e trouxe-as para ti!

Moreira das Neves
in Mendigo de Deus

Sem comentários:

Enviar um comentário