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sábado, maio 08, 2010

Jesus: de direita ou de esquerda?

por ANSELMO BORGES

Determinamos o espaço a partir da nossa posição corporal: lá em cima, lá em baixo, atrás, à frente, à esquerda, à direita.
Porque a maior parte das pessoas tem mais maleabilidade e força na mão direita, a parte direita ficou privilegiada. Deve-se entrar com o pé direito, dá-se a direita à pessoa mais importante, Cristo está sentado à direita de Deus... Justo deve ser o Direito. Antes dos avanços da neurologia, a situação dos esquerdinos não foi feliz. De alguém radicalmente maléfico, diz--se que é uma pessoa sinistra (do latim: mão esquerda). As seguradoras devem tratar dos sinistros.
Em termos escandalosamente genéricos, diria que, em política, a direita andava ligada aos valores ditos tradicionais, como a família, por exemplo, à ordem e ao capitalismo e a esquerda, a valores que se diziam de esquerda, como mais justiça, por exemplo, à revolução e ao socialismo. Hoje, quando impera a lógica aparentemente triunfante do capitalismo neoliberal e do pensamento único e se julga que a história chegou ao fim, sem lugar para mais revoluções, as fronteiras estão muito esbatidas.
E Jesus?
Logo à partida, dão que pensar as razões que o levaram à morte. Morreu como blasfemo, condenado pela classe sacerdotal, e como socialmente perigoso. Foram os interesses de Jerusalém e de Roma em coligação que o crucificaram.
Era um judeu piedoso, mandou rezar e rezava intensamente, em meditação, a Deus seu Pai, mas escalpelizou de modo virulento a beatice hipócrita. "Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, sepulcros caiados", etc.
No Reino de Deus, centro da sua mensagem, estavam todos incluídos, mesmo aqueles que a sociedade e a religião excluíam, o que constituiu o mais fundo escândalo. Foi a uma samaritana, mulher, estrangeira, herética, a caminho do sexto marido, que se revelou como Messias, e vários episódios mostram como as mulheres, ao contrário da doutrina oficial, também tinham lugar privilegiado como discípulas. Contra o mau exemplo do sacerdote e do levita, foi também um samaritano que, na parábola, foi próximo do desgraçado que, depois de espancado pelos salteadores, tinha ficado semimorto no caminho.
Por causa da sua abertura ao novo, as crianças, que então não tinham significado social, foram apresentadas como modelo da entrada no Reino de Deus. E ai de quem as escandalizasse: "Mais valia atá--lo à mó de um moinho e lançá-lo ao mar." Logo ao nascer, o primeiro anúncio foi para os mais pobres entre os pobres: os pastores. E veio para Israel e para todos os outros: tal é o sentido da história dos reis magos. A quem se escandalizava por comer com os pecadores públicos lembrou o dito do profeta: "Ide aprender: eu não quero sacrifícios, mas misericórdia."
Mas, neste novo Reino, não vale tudo. Sobre Zaqueu, um desses pecadores, não se diz que tenha mudado de profissão, mas arrependeu-se e disse: "Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e a quem roubei vou restituir quatro vezes mais." Declarou mal--aventurados os ricos sem ponta de misericórdia. Lá está a parábola do rico avarento e do pobre Lázaro, que nem às migalhas da mesa tinha direito. O Reino é-o da graça, da misericórdia, mas não pertence ao facilitismo. O perdão requer arrependimento: "Vai em paz, não voltes a pecar", dizia ao pecador/a, e é preciso estar vigilante e pôr os talentos a render.
No fim, o que estará em julgamento é a justiça e o amor: "Destes-me de comer, de beber, de vestir, fostes visitar-me à cadeia e ao hospital." "Sempre que o fizestes a um qualquer foi a mim que o fizestes."
O que é mais: para tratar de seres humanos em dificuldade, transgrediu a lei sagrada do Sábado. "O Sábado é para o homem, não o homem para o Sábado." Afinal, toda a lei, mesmo a lei de Deus, fica subordinada ao bem do homem. No limite, agora, só o homem e a sua dignidade são sagrados.
Neste enquadramento, a pergunta decisiva não é então se Jesus é de direita ou de esquerda, mas quantos católicos tentam ser cristãos.
in:DN, Lisboa

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